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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

1.11.2017

TEXTO 146 : UM TRECHO DE SOL





uma imensidão
as pessoas tem nomes simples
coisas coroadas sobre a mesa
o que faz falta
perto do silêncio
é o recôncavo do lar

a mal dizida crise
que leva aos cantos
gente
como caminhão
de tijolo

tudo perto do mar é bom
o que o sertão
guarda não traz
na memória

caminhos des'povoados
à beira do sol
acenando para abrir
o fim do caminho
a conversa ligeira




TEXTO 145 : A POESIA




a poesia
ela é suja
a poesia não
tem versos
a poesia é
a fala dizimada
o objeto
esquartejado
o inútil discurso
contra a parede
o tijolo sem
reboco
seiva que
rola sobre
o tronco depois
do golpe
da lâmina cega

a poesia
é o caos que
a gente lambe
ferida na pele
latejando
cor que não
coagula
dor que não
se inventa

a poesia não
é rosa, vermelha
ou branca
nem os teus lírios
não vai com chá
nem
presente de grego
é
relógio parado
homem-bomba
casa em quarentena
gente na rua
sem saber o
que aconteceu

poesia é o tiro
que se ouve na
madrugada
a certeza da
morte
querer não ter
visto o que não
era para ver
poesia para quem
não sabe o que é
rima nem riso
não distingue
o dia da noite

poesia é anedota
para generais ressaqueados
dúvida e dívida
revolucionários vendidos
poesia para quem
tira o nome da obra
quem doa de si o que
não tem e
nem nunca terá
poesia é resto
para quem tem tudo
os olhos da cara
vertigem das asas
falta de ar
cume do morro
areia da praia
arrabalde do sistema
carro furtado
cigarro pela metade

poesia para um
ou para dois
melodia desgastada
trovoada na carne
palavra tesa
endurecida
esquecida em monumento
semeada num
canto do mundo
mudo