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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

12.23.2010

TEXTO XXV : UM POEMA JUSTIFICAVEL

(V DE VERGONHA)


Se pinta encolhe escolhe e troca
Travessa rebelde sensual
Hoje eles me pagam, hoje eles me querem


Se olha rabisca retoca
Mistura de raças politicamente corretas
Apóia aperta olha o foco congela
Hoje eu sou a mais...a mais...


Na fila risada chacota inveja
Três amigas de saia curta escondida
O seu nome é prefixo de anal


Mas na pista rebola chacoalha
A cena é normal
tudo aqui é normal


O primeiro sorri
disfarça flerta
flecha fisgada
Ela é tão recatada, tão esperta ele diz


Qual seu nome quer beijar
Ele volta revira abraça
Quer carinho sexo oral


Ai me larga nojento sai fora
Com um sorriso idiota
as amigas escondem a cara


Entre o funk o axé rebolation
São eles que vem lhe chamar
Vem aqui abraço beijinho


Mas a força é voraz
Sai daqui que ce quer
Aperta abraça dá a volta


Ela grita ele monta
E num sussurro diz
que ela é a mais
a mais... a mais...


A mais gorda da festa
a maior que sentou
Ela diz que detesta
e todo mundo recuou


Ela chora ele grita
E os outros aplaudem gritam
Segura, segura peão


e as amigas caladas
segurando o vestido
não olham
sentem o corpo no chão


Os peões fazem festa
É rodeio é rodeio
e a menina no meio
cansada e apavorada
tira da bolsa uma faca


Rasga o peão no meio
gorda imprestável
era só brincadeira


Quero ver na justiça
Como ce fica
Sem marca no corpo
Com algema de enfeite


Mas é brincadeira peão
Seu sangue logo seca
Mas quanto tempo ce dura
Com a cara na televisão

12.22.2010

TEXTO XXIV : UMA AMEAÇA INEVITÁVEL

É uma pena
Que o amor esteja em queda
Esperando queimar papel

Mas se a ameaça é certa
e todos os dedos apontam pros outros
É porque a raiva move mais montanhas que a fé

A contra-mão dança!
É a festa dos loucos e das putas

Porque a sede de vingança
Não vale o suor da luta

TEXTO XXIII : UM POEMA PSICOGRAFADO

Ao enfarte pós-traumático

Quando eu vi aqueles três garotos presos
e não apanharam porque tinham dinheiro

Morri.
mas não pela ganância
ou pela diferença
Acho que foi porque
minha alma era barata demais

12.20.2010

TEXTO XXII : UM DESAFIO AMOROSO

Não sei como saí da sua casa.
Correndo, carregado pelos paramédicos, de olhos fechados, talvez. Talvez os amores saibam sempre por último e a ironia disso tudo, é que eu ainda não tinha te perdido. Mas você jogou essa bomba nos meus braços, me mandou para três galáxias diferentes e meu pedido desmoronou com meus joelhos. Meu único pedido, meu único desejo, minha única desculpa para não desbotar foi engolida pelo seu sorriso, pelo meu silêncio. Quis te evitar, quis te tapar com os olhos fechados, e você, toda iluminada e atordoada me disse que ainda seríamos bons amigos, que isto não era motivo para perder as estribeiras, para me atirar da janela e você mal sabia o quanto quis que você não morasse no térreo. Ah, quis atravessar a cabeça pela janela de vidro e você segurou minha mão. Senti-me áspero, sujo, impregnado de ódio, e quis tirá-la, por não me controlar, mas logo em seguida vieram seus lábios. Sua pele lisa, macia, seu corpo cheiroso, sua calma e seus ombros suaves, quase leitosos. Escaparam todas as lágrimas, tudo aquilo que me afogava tão rapidamente, mas não sei, não sei como saí da sua casa, da sua vida, do seu filho, do seu coração. Sei que às vezes te vejo de longe, arranco as sobrancelhas, o bigode e olho para o chão e você nem me reconhece. Sei que agora está solteira, estudada e procurando um marido. Sei que jamais me permitirei te querer de novo e minha pele é bem mais queimada agora do que há dez anos, fiz plásticas no rosto e estou mais magro. Você mora no terceiro andar, eu no décimo quinto. Não sabe o quanto eu quis que fosse o térreo.

12.13.2010

TEXTO XXI : UM POEMA GUARDADO

Eu que sou
um daltônico inveterado

Eu lhe disse assim
não sei, amor
só sei amar

Você que é
uma mulata despreocupada

Você me disse assim
não sei, tambor
só sei sambar

Ele que é
um violinista amaldiçoado

Ele nos disse assim
não sei, senhor
só sei sonhar

Ela que é
uma vagabunda muito recatada

Ela nos disse assim
não sei, dor
só sei dar

Todos eles que são
uns filósofos desengonçados

Todos eles nos disseram assim
não sei, calor
só sei calar

Mas toda vez que eu
que sou um sonhador fracassado

tento dizer a você
que é uma torturadora mimada

eu digo assim
não sei, tarô
só sei tarado

você me diz assim
não sei, sabor
só sei sábado

12.12.2010

TEXTO XX : UMA LETRA ALTERNATIVA

A concessão pra nascer
e a certidão pra existir

...

Pela moeda, a pirraça
que a gente tem que engolir

Pelos esgotos nas praças
que a gente tem que dormir

Pela vitória das raças
que a gente tem que fugir

Pela comida escassa
que a gente tem que tossir

Por me deixar ver a praia
por me expulsar daqui


TEXTO XIX : UM DILEMA ENSAIADO

Foi numa tarde como estas tantas, à beira de um rio pouco diferente, um pouco turvo pela chuva de outras tardes como esta, e caía desesperadamente para asfixiar um dilema que se dissolveu no tempo.
Não.
Foi numa tarde única, delicada como vestido de debutante, passada à vapor e com a cautela de olhar de mãe procurando por manchas, foi assim, quase ensaiada e logo na estréia desabou.
Foi um deslize, uma tarde turva, como as lembranças de debutante, afastando dos olhos e dos sonhos o tempo asfixiante de um rio único.
Foi.
Um dilema delicado, como os botões do general, passados com cautela pela esposa desnuda, procurando no corpo acinturado, hermeticamente esticado, uma mancha do passado turvo.
Foi numa festa de gala, com o vestido arreganhado, as pernas ensaiadas e gastas, procurando pelos olhos do general hermeticamente treinados que num deslize desesperado sumiram com a cautela de um rio asfixiante.
No último dia de sua vida, numa tarde irreconhecível, que dissolvia rios desastrados, esticado e com o passado gasto, estreou suas delicadas manchas no peito desnudo, afogou os dilemas arreganhados e procurou as filhas e a mãe ensaiadas nos sonhos.
Asfixiou o tempo e numa tarde exatamente como tantas outras, deslizou em tempos hermeticamente confusos.