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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

10.20.2016

TEXTO 144 : UM TEXTO DE VIAGEM





DESPENCA

barranca aberta
a saia justa é
todo quarteirão chão quente
quando era pra eu dizer
não conseguia pensar do
sozinho
era sempre imitando outro quem
eu queria
olha você olha só como
estamos
nós dois muito além dos
outros três eles falavam
coisas dos outros mas
de outro jeito
a gente nunca é pronto
tem que esperar cair
despencar o tempo
todo.

* escrito entre São Vicente e Itanhaém


9.18.2016

TEXTO 143 : UMA SAUDAÇÃO AOS POETAS




estive esperando
outras mulheres vieram
pássaros em seus cabelos

o poeta tem coisas assim
para nos dizer
e fazer caminhar

coisas que a vida tem
para fazer descer por
ladeiras e ruas de duplo sentido

a cidade é toda dividida
mas não volto você aí
vai ter que refazer opinião

viu a natureza em estado bruto
viu os céus alaranjados viu
a escuridão sem medo ficar réu

é preciso continuar nem que
seja dar volta fugir
mergulhar em cadernos

contemos os poetas
e comecemos a rezar




8.23.2016

TEXTO 142 : DESCALÇO O TEMPO




Dançam os esqueletos
dançam as árvores grávidas
e a turbidez das manhãs não se mede
pelo cumprimento altivo
sou um pária

e a mercê do abismo
sou cão sem fundo
mesmo ____________
na lataria velha

o abandono
é forma de calçar
minhas idades
no tempo



8.18.2016

TEXTO 141 : UM POEMA SOBRE UMA FALTA




agora sim

quem se faltar será
contado

e o fim de um caloroso
ardor

em mim só guardarei
rancor

era tarde era escuro
éramos três quase mil

fala agora se a guerra
serve




8.12.2016

TEXTO 140 : UM BLEFE




temer com o que tenho nas mãos?
a fina lâmina da juventude
cortou minha cara
e já anunciaram nossas derrotas
bem antes de eu dizer
e apresentar a solidão de um mundo todo

era dança seresteira
rodopiava um chão só
o cheiro da madrugada
e um frio onde não caberei jamais

se eu não tinha lados
tinha facções por amor
resplandecia essa quimera inútil
rescendia o fino lugar
era abril

mal sabia eles
quem me dava cortes mesmo
e lampejos de clareza
fiz com o que tinha nas mãos
faria tudo de novo
se só me tivessem matado



8.06.2016

TEXTO 139 : UM POEMA DAQUELA CASA INCENDIADA




bora
pega as malas
com o que te sobra do corpo
levanta tua sensatez
arrisca a coragem
que o dia vem cheio para vender

a alma do poeta tem cheiro
de avelã com pandeiro
e a fogueira que fiz
para ansiar tua chegada
ela hoje é lembrança
das mãos atadas
pelo desespero ou pelo senão

era paz
ela invadia
hoje a casa
vazia envadiada
sequela do golpe
onde saquearam meus desejos
e a expúria filha tua aquietou

hoje quem te deu botes
anuncia um canal para o dilúvio
e querem sabotar justamente
o teu espírito bravo
eu não me fiz silencio
eu não fabriquei mais nada




7.21.2016

TEXTO 138 : UM DOS TRÊS



inconfesso
não desminto
as arruaças da
vida ou da
vingança
sei que tenho
poucos anos para dizer
ou me desculpar
vaso quebrado é ruim
porque não cabe
mais fragmentos
e a verdade é toda
descolada descabelada
aguardente que a vida
não descansa
tem pavio curto
tiraneando os dentes
salteará sua hora
e um céu rosáceo é
que te encontra
com olhos acinzentados
tem dias que a chuva
não arrasa, mas folga



7.08.2016

TEXTO 137 : UM PEDIDO DE PAZ*



a volta da volta dá voltas

e eu que resolvi encarar diante dos fatos
minimamente legitimados
ou então transcritos em belas canções
eu não quero mais nada nem de agora
e nem diante de mim quero paz
sem essa presença noturna das horas, sem o exaspero crescente nas turbas
sem o ódio lacrado nos lábios, sem essa cruz pendurada na garganta-
sangue tinto que jorra da história-
qualquer paz que me haja
qualquer abraço que me acomode
seja essa paz-pura, pombabranca – vemcáirmão
ou a paz atordoada dos ventos de tempestade
Há muito tempo a palavra humana deixou de acolher seus iguais
há muito criamos e desfazemos profetas
como quem brinca na areia.
É tempo de não ser mais tempo
é tempo de adeuses gritados em meio a despedidas de trem
é tempo de um drama amargo com suas gotículas de absurdo cômico,
é tempo de gente
muita gente
que veste o capuz dos dias e difama seus comuns.
Também, é tempo de ir.
Não quero mais palavras de acalanto
nem declarações de guerra.
Quero o silêncio obtuso de quem vive além
a prece encarcerada nas mãos


(uma paz que seja, meu Deus, uma paz apenas.)


* com Pedro Marangoni

7.04.2016

TEXTO 136 : UMA TENTATIVA DE DEFINIÇÃO DISSO




isso que se chama amor
isso é chama
isso derrete
isso mareja
isso persegue
isso varia
isso fantasma
isso agonia
isso aquece
isso enjoa
isso desespera
isso relê
isso acende
isso falsifica
isso assalta
isso cantarola
isso remói
isso chancela
isso desmonta
isso permite
isso proíbe
isso selvagem
isso capital
isso remansa
isso descansa
isso entorpece
isso domina
isso julga
isso trepida
isso inunda
isso não desiste
isso enlouquece
isso sequela
isso decora
isso grita
isso esquece
isso volta
isso enfraquece
isso deglute
isso beira
isso luta
isso mania
isso nocauteia
isso vertigem
isso saudade
isso vendetta
isso vontade
isso corrompe
isso fala
isso escreve
isso respira
isso cresce
isso morre
isso além
isso passa
isso fagulha
isso incendeia
isso esquenta
isso insuportável
isso queima
isso e muito mais



6.13.2016

TEXTO 135 : POEMA SOBRE A PRONUNCIA




hora do ofício
delegar
e se quem manda
nessa porra
não sou eu
mas a minha mão
mole
e se o dedo
em riste
é só disfarce
para o que eu quero
dentro de mim
e em cada um de nós
eu também tenho
direitas e
a esquerda que
não quer mas vai
e o caminho
das chuvas
quem é que vai cantar?
hein?
será que alguém sabe
ou tudo é no
vai que vai
dessa corja?
quem põe
os pingos nos x



6.01.2016

TEXTO 134 : ESTRATÉGIA DOS ATALHOS




tudo penumbras
distantes os seres
ali fora se movimentam
dançam inteligentemente
ao som de guindastes

estas são as cores
que te dei e que
aprendi que eram suas
não fui eu que quis
mas também dancei

e não era para dançarmos?



5.16.2016

TEXTO 133 : UM ESBOÇO DO RECESSO




a gente ainda não tem
cores ou formas suficientes
para definir melancolia e incompreensão
esse terrível fantasma ou essas dunas
forças inservíveis que se movimentam
na escuridão e nos contornos da ignomínia

como seu amante mais discreto e ciumento
eu também gostaria de rasgar as suas letras
mas daqui do convento da minha casa
(onde ainda o vento leva o sofrimento adiante)
eu tenho a terrível missão de esquadrinhar (ou esquartejar)
não a sua estratégia, mas a sua desgraçada carne

não levo adiante as conversas nem os pesadelos
aqui o que realmente importa são as palavras
com as quais dancemos, refazendo o tempo
a ordem e tudo o que for possível sublinhar
haverá sim, coisas mais interessantes a dizer



5.02.2016

TEXTO 132 : FAZER POEMA QUE É FÁCIL*




fazer poema
que é fácil
fala sério
quero ver
dente no
dente olho virado
quero ver
palavrório
desafiado
dar com a lingua
onde se veste
a carapuça
falar que é fácil
e a poesia toda
dura ruminando
eu tô com a cara
e a coragem
no bolso eu
visto a cobra
mostro o mal
faço pirueta
firula, firanga
fandango, candanga
faço chover carnaval
ruminêscencias
se precisar
faço também
o dito e o redito
o feito
e o mal-feito
te mal-digo
de umbigo
e é o jeito
pois  na
cantiga vou
ungindo
tudo quanto é
direito ,
se lhe mostro
o mal
é porque levo
cobra no peito
essa picada
é poema
e o antídoto
não é perfeito
faço que faço
mas vou fazendo
a esgueio
se tiver chumbo
 no mato
a gente põe
matoabaixo
pra ver achar
o arteiro
que resolveu
atirar
pra matar
poemeiro
rebentou com
tudo quanto
é pomar
de maçã, de figo
e limoeiro
mas o poemar
ta inteiro.

* com Pedro Marangoni



4.17.2016

TEXTO 131 : POEMA DE DOIS EUS*



eu
reticente
vou despairecendo
me arqui-entristecendo
cheio de etceteras e tal
só pra chegar final de tarde
eu me esbaldar em cansaços
de silêncios
relambuzando todo o mar
de palavrórios guardados
sou esse vidro entalado
de carro velho
que não desce
que só quebra,
como essas ondas de fim de tarde
onde me banho e me perco
em odores salgados
em lembranças imundas
esperando, nada solene,
o banho da salvação,
um ponto final,
um relance,
e por hora me contento
com a melodia da noite,
eu,
tão sem fim
todo sem mim
um mundo de palavras
desmedidas e ponto

Eu sumo a cada instante
em que desejo ser outro dicionário


* com Pedro Marangoni

3.11.2016

TEXTO 130 : DE VOLTA À JAGUNÇAGEM




no passado desse esbórnia
no ponteio vem de cá
alêi, alêi, alêi

mas quem tem
peito namora
quem tem canto
se esborra
cantei, cantei, oi lá

na caatinga deu na espora
no canteio, fim de lá
orei, orei, orai!

o peão já deu o fora
paz de deus mundão que chora
ferro a brasa, queima a mão
eu tô de volta à jagunçagem

quem vier de frente eu rasgo
entrou na minha terra eu mato
vim das bandas do Alaripe
sou também de fina estirpe
eu tô com pé na jagunçagem

pode até ser o tal do Demo
eu e Deus temo contrato
aqui em vida eu nada temo
e vier me cruzar eu mato!




2.29.2016

TEXTO 129 : UM POEMA PARA UM LUGAR



OS DESENDEREÇOS

os pássaros a brisa
bem no meio a vida

a praça a avenida
árvores retorcidas

caminhos sem volta
ruas sem saída

os desendereços

e a gente no alto
fora do chão
fora de tudo

a gente em órbita
órbita!

e o que importa
é mesmo
quem vai chegar
junto nesse
caminhar que é
só caminhar
e só mais um
segundo

nem que isso tudo
seja só o medo
do mundo
no fundo
verde azul




2.16.2016

TEXTO 128 : UM POEMA DO SERTÃO


"Vou lhe falar. 
Lhe falo do sertão. 
Do que não sei. 
Um grande sertão! 
Não sei. 
Ninguém ainda não sabe."
(Guimarães Rosa)  


(no toque da viola
o coro acompanha
com a mão no peito)

Foi lá onde a água deu
foi lá que eu fui me dar
Da caatinga de meu deus
olhe lá quem vem cantar!

A familia já partiu
e pra lá nao vou voltar
Um jagunço pede a deus
vem amor me castigar!

Nessa terra que eu cresci
hoje eu me pus a rezar
Terra seca que eu comi
pra morte não me enterrar

Tudo o que fiz nessa vida
foi fazer meu nome honrar
Quando eu for só peço a deus
a minha morte embalar

Deu-me força, deu-me a vida
deu-me os pés pra eu andar
Meu cavalo e minha garruncha
E mulher pra me casar

Hoje eu peço distante
pro dia de ontem voltar
Caso que eu fiz nessa vida
tudo sem remediar

Essa vida ai sem conserto
não tem cura nem tem nome
Dela eu tiro um leite escuro
que é pra não morrer de fome

Quero aqui lhe registrar
tudo o que eu fui ensinado
Foi bem longe do caderno
fui ver o mundo escolado

Nas artes de matar outro
isso que mais tem no Norte
Cada qual em sua carreira
cada um com sua sorte

Deus me livre de dar morte
a quem me deu terra arada
Pois nem ela nem foi dada
eu que peguei de braço forte

Me lembrou outra palavra
por aqui "ó pátria amada"
Aqui longe já da vista
Jaz aqui terra adorada



2.07.2016

TEXTO 127 : UMA CANÇÃO PARA UM AMIGO





A crosta de sal
veio pra inundar

Abra seu sorriso, mulher
outro dia de amar!

Lave os pés nessas águas
Coisas que voltam do mar

Abro minhas portas
Alto lá!
Moço alto vai passar
vai passar!

Eu já sabia quem
era antes do
rosto enxaguar
leve as águas contigo
meu irmão
Você veio me ajudar

Pelejar, pelejar!
você é feito de concha do mar

Os teus pés tem a cor
amarela das flores
de te batizar

Seu nome
tem canto de arara
sua cor
tem a flor do ipê

Seu sorriso
tem o nome santo
Ô moço de longe
que veio me ver

Vai embora,
vai,
Embarca!
Fogueira pra te acompanhar

Cristal opaco da terra
guerreiro da casta do mar
você é filho das águas
cria dos ventos
brisa do lar




1.19.2016

TEXTO 126 : POEMA PRA ÁGUA





Areal com boca de rio
Mandei dizer que a chuva
não se traga com dentes
de pedra

Ave que vem pousar
canta no gargalo
limpando o dia da
prosa em matagal cheio

Alto do vale crista de
serra todo o ar que sobe
pra inflar as nuvens
tem que amar o mar

Água que desce
lisa escovando a beirada
a cheia toda é que tem sede




1.05.2016

TEXTO 125 : OUTRO POEMA ENTRELAÇADO*













Em silêncio náufrago
e na boca tântrica
há uma prece quântica
de fazer morrer
há um quadro tétrico
de uma vida métrica
no tijolo exposto
onde estanca a dúvida
onde perco o sono
onde não me calo
onde dão-me o que comer
No quarto escuro
de paredes mornas
vendo as rachaduras
que o tempo e a dúvida
fizeram brotar
quero reencontrar os
homens em suas cartas de amor
rasgar suas dúvidas
e dividir suas danças
quero reencontrar
suas vozes e
afagar seus túmulos
recordar seus nomes

Fechar seus olhos,
quando o dia tarda e o sono ainda não vem
Embalar os homens
de cara feia,
e pele dura
em cantiga mansa
de boi dormir
Quero percorrer seus mapas,
ocultos no jargão próprio das veias
vislumbrar suas estradas
de terra e de ódio
Quero dizer-lhes palavras que
não possuo
Quero amargar-lhes a boca
constranger-lhes o peito
numa tarde ensolarada de domingo
Quero amaciar seus corações
na companhia etérea das almas
Quero acompanhar até o fim
sua trilha de poeira e água
sua jornada de nada e esquecimento
Quero ver ir
embora
o último resquício,
a finda
luz,
a derradeira brincadeira
dos olhos
que espiam o mundo
e dizem adeus
sem mais nem menos.


* com Pedro Marangoni