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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

12.25.2015

TEXTO 124 : UM POEMA DE TODOS





todos todos
que diriam todos
todos podem dizem
todos aqueles
preferem todos
todos que proferem
todos todos
poucos tolos
fora daquilo que
todos não
conseguem mas
que todos
que são todos
uns e outros
mas em todo
canto eu digo
todos todos
uns em cima
todos todos
não preferem
todos que se dizem
todos poucos
não preferem
todos em cima
de todos
cada um no
seu lugar




11.12.2015

TEXTO 123 : SEQUÊNCIA DE SAUDADES


"Moço: toda saudade é uma espécie de velhice" (Guimarães Rosa)


quando eu voltar aí
cê vai ver
o silêncio imperdoado
e as mãos à toa

prepara um canto na sala
deixa tudo como está
que aí eu vou ser
surpresa pra variar

é outro o endereço
e o alvoroço ainda tem
lembrar de tudo e
mais uma porção pra inventar

se for pra embriagar
de risada ou de cerveja
ajeita uma mesa
pra conversa tocar

ê dia de tristeza
ê hora pra acabar
saudade que não falta
tanta coisa pra matar

a fome do riso
a saudade do pai
a porção de torresmo

e mesmo assim
se é mais do mesmo
e olhe que já vão falar

"tem que vir
mas venha mesmo!
lugar tem pra pousar"

ê porca miséria
ê saudade
ê tempo bom!

um longplay de choro antigo
um chét ou miles deivis
um monte de nome de livro




10.26.2015

TEXTO 122 : UM POEMA COM ASAS*





No quarto quieto,
de paredes pardas
de um amargo raso,
este eterno gosto de machucado
retorna
na figura pequenina
da vespa noturna
que atasana minhas horas
no seu debater-se manso
em volta da lamparina
e há nela uma luz menina
que os meus olhos fazem queimar

a vespa esmeralda em
sua dança auriverde
vespa angelical
companheira das mulheres
vespa tímida e platônica
vespa da derrota
vespa de esmero
vespa sonora de notas frias

vespa em caixa
vespa de asfalto
vespa de amantes
vespa contaminada
vespa sem sexo
vespa da vespa
que o vento leva
num gesto tímido
nesta noite quente
de céus estrelados e mesquinhos


* com Pedro Henrique Marangoni


10.12.2015

TEXTO 121 : TRÊS A UM*





A tua cabeça
Essa anarquia que é
Um jogo de amareliha
sem regra se reinventa
Nós inventamos os números
dizemos categoricamente
o ovo a casca o novo
o povo a casa o vôo

Subimos céus de giz
e desgraça
na comunhão desordenada
de nossos quereres.
Entre a cruz e a espada
teus desejos
se escrevem
em fina camada,
superfície frágil.

Quebra a pedra menina
estátua azulvermelha

Tua cabeça é um solstício de verão.
O sol a terra equinócio
o nó o eu o nosso

*com Pedro Marangoni


9.29.2015

TEXTO 120 : POEMA PARA A VOLTA





caminho de seda macio
de manhã tem o rio
à noite tem um chiado

perder-se olhando as estrelas
procurar já é existir
em seu estado bruto

o absoluto sentido da existencia
não é comparar-se ao outro
é ser e estar, às vezes viajar

o que é que faz falta
o abraço do mar?
as manchas na pele?

trair-se pela escuridão na lembrança
corromper-se pela ausência
lamentar-se no colo da noite

quando a manhã chegar
embriagar-se dos pássaros
pensar que era tudo sonho




9.11.2015

TEXTO 119 : UM POEMA HIDROGRÁFICO





meu desejo é ser rio
populosamente passageiro
caudalosamente fino
cascateando solitário

anonimamente aguacento
revirando ensimesmado
flutuantemente profundo
gentilmente traiçoeiro

ilustrissimamente anônimo
enraizadamente livre
injustificadamente bruto
familiar e resplandecente

desejo de ser tácito
meticulosamente cheio
enormemente inútil
e servilmente vazio

desejo de ser perpétuo
de ser retorno
e de ser profícuo

eternamente faminto
desastrosamente generoso
irreparavelmente indomável
simples e inocente paisagem

um grandalhão de dedos sensíveis
um coração que alaga fácil
tímido aventureiro sem limites
leviano sonhador que consome seus horizontes.




8.26.2015

TEXTO 118 : UM POEMA CONCRETO





MARTELO

você
você
você
você
não sai da cabeça

você
você
você
você
por mais que eu esqueça

você
você
você
você
quanto mais eu bato

você
você
você
você
tudo fica mais chato

você
você
você
você
me dá uma pontinha de esperança

você
você
você
você
agora é que não sai mesmo

8.08.2015

TEXTO 117 : UM POEMA DE VOLTA


               
           

volta e meia
você
volta
e volta e meia
eu me entorto
pra dizer
que
tudo o que
foi dito
está errado
eu queria
mesmo
era dizer
volta
vai




7.30.2015

TEXTO 115 E 116 : PARA QUE SERVEM



                           cidades

                    para desvendar
              para poder se perder
             para sentir os aromas
        para reconfigurar os mapas
   para se redescobrir diariamente
      pode ser que elas te engulam




viagens

para aprender
a despir a alma
para arejar os ares
para transcender as áreas
para recomeçar os recomeços
para reaprender a ser companhia

7.24.2015

TEXTO 114 : UM CANTO ALEGRE





CANTO ALEGRE

alegria, alegria
minha poesia é a melancolia
há tempos o mundo me encanta
e todo encanto em mim é ferida

alegria, alegria
minha poesia é a saudade
o som das águas e dos pássaros
e coisas deixadas pela metade




7.06.2015

TEXTO 113 : UM POEMA PARA A NOITE





MIRANTE

em distantes sonhos
construo nossa pequena casa
sem grandes pretensões
um longo quintal
um caminho de flores
um refúgio entre as árvores
um esconderijo na cidade
onde possamos deitar sob o céu
num escandaloso mar de estrelas
sem dizer muitas coisas
por horas, sentindo uma brisa fria





TEXTO 112 : OUTRO POEMA DA ILHA





A ILHA

a terra
a água
cercada
em movimento

a ilha
no meio
da terra
em movimento

a água
parada
na terra
em movimento

quem nada
na ilha
vê terra
em movimento

na ilha
na terra
nada
sem movimento

a ilha
é casa
pra água
em movimento

quer casa
na terra
quer ilha
no casamento

quem casa
na ilha
quer casa
quer firmamento

quem casa
na terra
na ilha
acasalamento




6.24.2015

TEXTO 111 : UM POEMA DAS DISTÂNCIAS NA LINGUA*





Cê sabe
sei não

com quantas traves
se faz um coração?

Quantos poemas
pesa um avião?

quantos tijolos precisa
pra fazer religião?

Cê sabe nêgo
vem não

quem nunca encheu
a barriga da miséria

filosofando nas turbinas
rimando até sair do chão

a alma livre atravessada
cruzando os ares
em busca de salvação

*com Pedro Marangoni



6.17.2015

TEXTO 110 : UM POEMA A DUAS MÃOS*





falo
falo
falo
falou tá falado

calo
calo
calo
calou tá calado

Já que ninguém ama,
nesse manda desmanda
guarda-chuva furado,
vou ali ser petrificado,
e volto pra dizer
que se calo
tá calado
e quem não amo
tá amado



*com Pedro Marangoni

6.08.2015

TEXTO 109 : UM POEMA SOBRE A FELICIDADE





APRENDER A MORRER



"Sou tão feliz!
— Vem, noite mansa…"
(Manuel Bandeira)


eu era outro
preocupado em
agarrar a felicidade
quando ela viesse
me encher o peito

era escorregadia
não como ouro
era uma poeira fina
que eu varria
durante a semana

eu queria ser
uma pessoa desgarrada
de vícios
feito personagem
de intervalo comercial
ou velejador

olha onde cheguei
medindo
o peso que o mundo
todo tinha

a vida é longa demais
tempo demais
para morrer
tempo demais
para viver
tempo demais
para procurar

e as crianças
com seus sorrisos
seguem brincando
inventando
e flutuando




5.29.2015

TEXTO 108 : UM REFRÃO





BAIÃO DE DOIS

quem tem dinheiro rouba
quem não tem dinheiro rouba
quem tem dinheiro rouba quem
não tem dinheiro rouba quem tem
dinheiro rouba quem não tem dinheiro
rouba quem tem dinheiro rouba quem não tem dinheiro



5.12.2015

TEXTO 107 : UM POEMA DE PEDRA





insisto em desgastar
a pedra riscando
no chão
uma pedra contra a outra

numa das pontas vou
produzir um instrumento
pontiagudo capaz
de furar ou de cortar

na outra pedra vou
deixar funda marca
a pedra gasta é um
buraco ou uma memória

nenhuma outra ação
natural se compara a
esta fenda produzida
com minhas próprias mãos

mãos de trabalhador
que vão descascar e
produzir bolhas
em resposta ao desgaste

as mãos de leite
se regeneram em mãos
de amor, ou mãos
prontas para o combate

com minha pedra afiada
preparo um golpe certeiro
para tirar a vida
de outra criatura

a pedra tinge de sangue
e o sangue lava a fome
ou a vingança dos
meus ancestrais




5.08.2015

TEXTO 106 : UM POEMA PARA MINHA VARANDA





minha varanda é
um espetáculo
à parte
estou convencido

é para mim
o palco dos
grandes acontecimentos
da minha humanidade

embora o que se
apresentou ali
não possa entrar
no currículo ou para
a wikipedia

concordo com o manoel
quanto a não-medida da
importancia das coisas
- as formigas aplaudem!

não deixei história
escrita em lugar nenhum
porque tudo que é vivo
se acaba no presente

a infelicidade antes
cabia na asa de uma flor
hoje de tarde o sol
vai dormir no meu quintal




5.01.2015

TEXTO 105 : UM POEMA PARA A CHUVA CAIR





ora
já faz dias
que não chove
em minha roseira

nem chuva
ligeira
nem sequer
uma goteira

nem o celestial
frescor do dia
veio aliviar
meu jasmineiro

ainda vem
os passarinhos
na asa da curiosidade
ou do hábito

o dia se estica
por cima da janela
vendo seu novo invento
impaciente acalourado

os pequenos bõtoes
do véu-de-noiva
esperando o
o dia inundar

o ar gelado
condensando
as possibilidades
mais generosas

pode ser que
hoje chegue
do carteiro
um bom dia




4.22.2015

TEXTO 104 : UMA SENSAÇÃO NO ESPELHO





UMA CANÇÃO DE AMOR COMO ESTA


começo os dias
querendo arrancar
de mim uma canção
de amor

tudo o que tenho
são frações de
desamparo
um sentimento
imundo que
a noite deveria
ter engolido
mas que reaparece
seco no dia seguinte

o ar quente que
vem pelas janelas
dá náuseas
toma conta do
meu corpo
ele se entranha
nos meus lábios

tem um gosto de
sal
embora o mar
seja para mim
um velho amigo
com o qual
não tenho mais
tanta afinidade
mas afeto

é estranho
perceber que
os dias tem durações
continuamente desen-
contradas
como as frequencias
distortidas do piano
uma ilusão
ou alucinação


a principio achei
que era estranho
perceber a verdade
mas agora
o que me estranha
mesmo é a passividade
com a qual encaro
estes desconfortos

esse sacolejar em
terra firme
a ressaca úmida

o meu nome
o meu nome ainda
continua sendo repetido

junto dele outros
números, conjuntos
coisas do trabalho
a sensação é de
ser impassivel
às desvirtudes da vida

quando me lembro
do vento seco das
árvores e das coisas
áridas do coração
sinto que somos dois
um que ficou em terra
outro que partiu ao mar

não nos conhecemos
não sentimos nada um pelo
outro,
somos dois corpos
vagando esse imenso chão

então porque travo-me
diante do espelho?
não faço a barba
não me interesso por higiene
faço tudo que me dá vontade
e isso não é nada

encaro o homem torto
à minha frente
repito seu nome em segredo
minha desgraça

não falamos a mesma língua
não temos os mesmos gostos
nada nos foi dado
eu nas minhas manhãs
ele em suas tenebrosas noites
canta, escreve, golpeia
e eu inerte, distante
sonambulo, apaixonado

é estranho dizer
e não digo
mas algumas manhãs
tenho que arrancar
canções de amor como
esta




4.07.2015

TEXTO 103 : UMA HISTÓRIA DO RIO



"os rios 
como os bois 
são ronceiros"

- João Cabral de Melo Neto



há histórias sobre riachos
conta-se causos no sertão
dizem que até mesmo os rios
são vivos e tem coração

esta história que eu ouvi
podem achar que não é de nada
quem me contou foi meu pai
mas também pode ter sido inventada

eis a história de uma bóia
que cruzava o rio toda semana
não levava carga, não levava gente
descia quando queria solitariamente

no outro lado desse rio
um capataz cruzava a estrada
atrás de capim e água fresca
para dar de comer a sua boiada

lado a lado percorriam
o que parecia ser o mesmo caminho
a bóia descia com a correnteza
a boiada arrastava-se com lerdeza

a bóia descia o rio
não tinha nome nem endereço
a boiada seguia o homem
e por ele não desmonstrava apreço

de manhã a bóia dormia
de noite seguia acordada
a boiada sem ser dona de si
obedecia a hora da chicocatada

quando o rio se alargava
e de caudalosas águas se enchia
a bóia dançava com liberdade
palavra que boi nenhum conhecia

sobre a tenra superfície d'água
a bóia por dias ficava
alheia ao escuro leito do rio
e os segredos que ele guardava

o rio volta e meia castigava
fazia curvas quando bem queria
lançava a bóia para o outro lado
e a bóia sem governo obedecia

em terra a boiada protestava
contra aquele capataz opressor
o castigo veio a chicotadas
mas os bois ali ficaram, apesar da dor

assim o capataz deu meia volta
entregando aos bois seu destino banal
nenhum deles esboçou reação
talvez esperando um golpe mortal

diante deles no caminho liso
o chão de terra seca aguardava
já não era o chicote vil do homem
mas a sede quem os guiava

enquanto os bois se arrastavam
por entre o mato com dureza
a bóia batendo contra as pedras
era arrastada pela correnteza

mais à frente perdia o embalo
pois a água escasseava
enroscava em toda pedra
e só por acaso soltava

a água perdia sua força
o rio em riacho se transformava
custava até passar pelo mato
que aos poucos lhe abocanhava

presa entre os galhos afiados
já sem nenhuma corredeira
a bóia sem ter outra escolha
esperou uma semana inteira

ali pra baixo uma pilha de bichos
amontoava-se sob uma árvore
eram bois recompostos, mas tristes
de pele tingida de mármore

os bois seguiram viagem
voltaram pela estrada lateral
alheios ao rio, à bóia, às pedras
como se tudo voltasse ao normal

desapareciam no horizonte
e logo nada se via distante
desaprender o que era liberdade
seria o desafio mais sufocante

na paisagem virgem serena
a massa cinzenta destoava
não era planta não era bicho
não se mexia nem atacava

a bóia finda jornada
inerte e longe da água
murchava aos poucos em silencio
e o nada sequer se alterava

nem se notava mais a bóia
sendo engolida pelo matagal
a paisagem se solidificava
e tudo logo voltaria ao normal

o meu pai ainda me disse
vai me levar naquela estrada
pra ver a bóia descendo o rio
enquanto atrás passa a boiada




3.26.2015

TEXTOS 100, 101 e 102 : TRÊS POEMAS PARA O MAESTRO TOM





PESCADOR

pescador
que é pescador
não amarra
as histórias
com nó de linha

pescador que
canta pra chamar
o peixe
canta baixo
pra passar
o tempo
enrolado na
espuma

peixe que é
peixe conhece
pescador
pela luz do
olho

pescador conta
a mesma história
todo dia
peixe não
tá nem aí



CAÇADOR

caçador bate
o pé
para afastar
o bicho
quando vê
filhote

caçador e
bicho não
disputam inteligência
fazem de conta
que
ninguém gosta
de surpresa

quando alcança
a espingarda
segura a respíração
fica em silêncio
dois dias inteiro

o barulho
do tiro no oco
das árvores
é sua redenção




MENINO

quando ainda
era menino
não dormia
esperando
a manhã
se abrir
para sair
piando
inhambú
no mato

a noite
era um saco preto
todo furado
que mal dava
pra respirar
impedindo de
avaliar
todo
e qualquer acontecimento
lá fora

tarefa de menino
era imaginar
o que não
tinha e nem
vai ter
para ver
lá fora
da gaiola