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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

7.31.2020

TEXTO 179 : UM POEMA PARA DEPOIS DA IDADE




QUANDO COMPLETEI CEM ANOS

quando completei 100 anos
aquilo ainda nem era número
e como coisa de menino comparei
sem vergonha do que não cabia na mão
troquei sem saber
dezessete por um radinho
vinte e seis por sorvete
doze a mais porque queria de novo
e uns que não fiz mais questão
dei numa bola pra meninada
gole de cerveja gelada imagina valia milhão
então aos poucos a vista voltou
os cacoetes estirados ao sol
papagaio que sabia chopin
vinha de pouquinho no meu ouvido
eu rindo e rindo as pernas
de costas para a noite 
já passando a hora de dormir, esquecer
e essas bobagens de gente careta demais

7.27.2020

TEXTO 178 : UM POEMA ENCLAUSURADO




ESPELHO

porque gosto
então me vejo
a casa, os pés, a manhã
gosto

se discute vícios
a falta deles
dias pra chegar
coisa assim, manejo

família, gente
dentro da palha
penosa casca
superfície do veludo

o nojo, o vulto
freguesia entardecer
eu, a imagem do espelho
dentro do esperado seu

irradia tarde enfim
gorgeio que vem
poleiro sem ave
meneio sem aceite

coisa de virar
a cabeça em pé

7.24.2020

TEXTO 177 : UM POEMA GESTO DE PAZ




uma lição de desigualdade
valor íntimo das semelhanças
peço perdão prece
quanta gente pra olhar vê

tem nome tem tudo
como a gente não gosta
mas chora porque sorri
e quando quer ter casa viver
respira

garoa não importa
molha deixa ficar tudo tudo
a menos que a porta abra
a casa a familia o cachorro o carro o véu

fala quanto tempo fala
olhar mais que importa é a falta
agora a comida a vela a mesa
fazer as mãos juntas vive em si em dois

e não é mais obrigação
quem acolhe é lei gentileza glória
herdará tudo o que for 
pó ante o pó final finda história

lá fora gilete a polícia o cacete
tira logo o pé da lama
como você se chama
como você tá firmeza tudo legal

ao vocabulário da paz relembre
fatiar divide 
o filho irmão de paz
não duvide da ferida e do ferido
entregue ao outro a mão aberta
amar outrem amém

7.14.2020

TEXTO 176 : UM POEMA DA GENTE



e quando a corrente bateu
antes das 4
silêncio de tremer o corpo
gente que não acaba mais

às vezes de si mesmo
às vezes figura disforme
massa pulsante
sem nunca ouvir a palavra alegria

as sete jantar na mesa
criança deságua de não querer
imagem e semelhança de quem
largou ou ficou pra ver crescer

aos dezessete já sabendo
de corte à navalha, suor de virilha
a cor da pele o cheiro da noite
que dois e dois são muito pra um

evitar o tempo, palavra proibida
importa mais ressoar a prece
hoje, só hoje meu deus, meu amor
ficar feliz porque felicidade tinha nome

e quando voltar para casa
aquilo já era floresta
as figuras todas turvas
viela lá longe, família unida, mãos nos cabelos

gente que segue crescendo