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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

10.05.2011

TEXTO XXXV : UMA LOUCURA CONTRADITÓRIA


Venho lhes dizer sobre este rapaz
Do alto de seus vinte e nada anos
De um sorriso impregnado de tormento
Da alma amarrada ao gênio materno terrível

Pierre, depois o louco, o imbecil
Há quem diga sê-lo gênio, há quem diga
Pois há quem diga, do imprestável Rivière
Patrono da humilde loucura, à procura da felicidade
Ser digno de dó, de rótulos e da morte

De poucas palavras e poucos olhares
E diante da foice ainda tingida
Pierre clama "Tenho pressa em morrer"
Como se o juízo lhe faltasse logo agora

Trajados de século XVII, estamos em toda parte
Da medicina medieval à psicanálise pós-moderna
E habitamos estas mesmas cadeiras, usamos
os mesmos dedos em vão: um para o louco
                  três para o são

Do confinamento às execuções
Resignamos em nome do pai
À imaginação, à indignação, à sanidade
Declaramo-nos em favor da felicidade
                 e do suicídio do outro


Eis Pierre, diante da forca de barbante

9.21.2011

TEXTO XXXIV : UMA MÃO AMIGA

É, meu amigo. Vão te dizer agora, que já era um erro antes, certo mesmo foi o fim. Vão te dizer umas coisas idiotas e elas vão ser cada vez mais idiotas à medida que te jogam no chão. Vão haver outras chances, mas o que importa?, eles não sabem de nada. Vou te fazer um poema e você vai achar um lixo, quem sabe você até se identifica e me diz, que legal, talvez outra hora. Vão fazer de tudo para revirar seus órgãos e você dirá que o problema é coração poroso. Vão te encaminhar a um médico, um psicólogo ou qualquer outro charlatão. Vou te dizer, a vida é um trem, mas só quando você já não puder andar. Ouviremos algumas canções, você vai me olhar, nem precisaremos dizer, a vida é um trem.
Quando reconstruírem seus ossos, quando enxertarem seus músculos, as pequenas veias estouradas de saudade, pode ser que dancemos, e aquela música, a vida é na contra mão. Os labirintos são acidentais, arcoíris também, destinos são provérbios, sorriremos, a vida é azar. 
Não me alongarei se a vida for curta, virá o dia em que verá carrosséis, crianças de mãos dadas com outras crianças, moças altas e rapazes baixos. Te pergunto o que faremos, esperaremos, festejaremos, se esta for sua vontade, quem é que sabe? A vida é uma ilusão. 

7.06.2011

TEXTO XXXIII : DEZESSEIS COISAS QUE APRENDI INVENTANDO

  • Paredes são cercadas porque lâmpadas são alérgicas à realidade 
  • O mofo forra a morte e enfeita a feiúra dos insetos
  • O que nos separa não são palavras, são vontades de não dizer nada
  • Já me imaginei caindo da janela mais de trezentas vezes e empurrei o chão para não cair da cama
  • Se eu tivesse uma rede pararia de esconder estrelas com os olhos
  • Gritar é varrer o desespero sobre multidões
  • Lágrimas são altamente voláteis
  • Voar é mais dificil do que a despedida dos ares
  • Pedras ficam mais pesadas com o tempo que guardam
  • Fechadura trancada divide o tempo em três
  • Fumaça navega sem remo e sem rumo
  • Criança perdida não pede socorro, pede o tempo de volta
  • Caminhos não diferenciam sementes de moedas
  • Quando não havia elevador, as escadas eram videntes
  • Um milhão é menor do que novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e nove 
  • A vida é indepente do desejo, o desejo é independente do ensejo

6.06.2011

TEXTO XXXII : RÁPIDO MANUAL DE PÁSSAROS

  • Se um pássaro cruzar seu caminho mais de duas vezes, sem ser notado, há chance de boa surpresa
  • Se o mesmo pássaro pousar sobre seu telhado por mais de dois minutos, há chance de dinheiro fácil ou chuva
  • Se outro pássaro acompanhar seu caminho por mais de um dia, há grande chance de um amor novo
  • Se uma família de pássaros surgir em algum canto de sua residência, não hesite em observá-los, há grande chance de música
  • Se um dos filhotes alçar vôo, feche os olhos, há grande chance de liberdade
  • Se um dos filhotes cair e vier a falecer, enterre-o pois há chances da natureza lhe retribuir o favor
  • Se nenhum pássaro vier ao seu encontro, há chance de mudar-se para onde haja algum
  • Se houver pássaros em gaiolas em sua casa, há chances de monotonia na vida
  • Se este pássaro for solto, há chances dele nunca mais voltar
  • Se este pássaro retornar, há chances de emocionar-se
  • Se pássaros vierem lhe atacar, há chances de tornar-se espantalho
  • Se outros pássaros passarem a vir ao seu encontro para observá-lo, há chances de tornar-se completo

TEXTO XXXI : RESILIÊNCIA

Devem existir coisas piores do que eu pelo mundo, mas este não é o caso. Mesmo se fosse, sempre haverá a fome, o ódio e o orgulho. Felizmente, para mim, há a redenção, há um deus em tudo o que pode ser bom, mas hesita. Para a minha felicidade ou desgraça, há um abrigo e desta vida não dobro tão cedo. Mas o caso é que esta semana me concederam uma visita conjugal. E pela primeira vez em meses, não serei só eu e minha cabeça pesada. Então, tomar banho gelado me parece até um minuto no céu e se meus cabelos embranqueceram ou caíram, tudo bem. Tudo bem, porque não me desmanchei e não desmancharei, não me pintei e não cederei. É uma questão de ser maior, de desviar o pensamento e rebater a luz do sol em minhas próprias chamas. E mais tarde, quando o sol se for, quando todo o barulho se acomodar e ninguém mais quiser um pedaço de mim, posso dançar em volta de uma fogueira que não arde nem morna, pintado com os restos de meus inimigos e a noite cresce sem apego, desmanchando de pavor para não parar. Eu posso; não, eu vou! Todo o concreto e metal se envergarão pois uma palavra sequer sairá de mim em vão. Meus olhos serão mais firmes que qualquer quarenta e cinco milímetros, entende? Os chineses já sabiam muito antes da pólvora, que o corpo aguenta mais do que a muralha. Não, eu não sou o muro nem a pedra, eu sou o vento que desvia com elegância dela e vai para onde não se vê, eu sou o céu, o reflexo da atmosfera e das águas. E se me perguntarem por que a luz que corre em mim é branca, não responderei em palavras, nem em cores. Eu não fui feito para o encontro, mas para o entorno.

5.06.2011

TEXTO XXX : O CONTADOR DE SABIÁ

Sabiá laranjeira
Manheceu de cantoria
Mavidizê que sabiá num pia
Comé memo? sabiá gorjeia!

Num sei quem disse foi
Alguém muito do desinformado
Porque aqui pra esses lado
Sabiá nunca deu pra dá risada

Dissê gente da cidade
Nem nunca viu sabiá-vermelho
Amarelo ou da mata à tarde
Aqui é do barranco e o verdadeiro

Que é piadeiro ou cantador
Tem coisa mais bonita
Que um bichim musicador?

Na cidade é cada coisa esquisita
Eu memo num volto mais
Já fiz carroça, feira, pipa
Até que fugi do satanaiz!

Prucê vê que esse sabiá
É uma tal criatura danada
Lá na cidade encontrei uns par
Trepando nos fio, era ninho em correio
Pegava sacola, serpentina, guardanapo de bar

Pensando bem, esses home deve tá certo
Na cidade e toda aquela gentarada
O danado lá de cima tudo quieto
Tava dando era gargalhada

4.08.2011

TEXTO XXIX : O GRITO

Quero sair daqui, quero sair daqui
e depois de bater as pernas, desisti

Quero sair daqui, preciso sair daqui
como se a última palavra fosse mortal

Quero sair daqui, vou sair daqui
como se o verbo desfizesse o futuro

Quero sair daqui, mas não posso
como se a minha voz fosse alguma coisa nova

2.17.2011

TEXTO XXVIII : AS IDEIAS ENTERRADAS

Pois bem, é pela noite que as peças se amontoam no sofá pequeno e para não ter que me encolher, chuto as idéias para o chão e vou logo atrás. Despejo todos os anos e as fotos que não fiz, depois meus sonhos e futuro do pretérito ao lado da sua última foto comigo. Digo que não, que não é desse jeito, mas não posso te enganar. Justo você. Então coloco o verbo ação em primeiro lugar, sonhando com o dia em que voltemos a nos sorrir sem ter que olhar ao redor e me atiro no sofá de volta com a cabeça fresca. Você, que é a mulher da minha vida, não sabe disso. Mas claro, no bom sentido.

2.11.2011

TEXTO XXVII : DOS BURACOS TAPADOS

Eu não sei como é estar em outro lugar, não imagino uma forma de atravessar fronteiras maiores que a própria imaginação. Mas se posso dizer, a vontade de querer cruzar ou transpor essa corrente de violência é maior que tudo o que já passei. Entender os limites entre a vida ou a morte, talvez tudo isso seja mais bonito na ficção.
O silêncio é o pior sintoma da frustração.
Em algum lugar pior que esse, espero que outras pessoas dancem em volta de uma fogueira ou então comemorem nascimentos e aniversários.
Essas paredes ficam cada vez mais estreitas, mas isto não é um caixão. Isto não é uma carta de redenção ou despedida. É um suplício a mim mesmo e ao meu e também seu vício de se manter vivo. Não faz diferença, agora não. Guerra e paz são duas ideias, são duas frequências e eu não me misturo com nenhuma delas. Sigo um manual que eu mesmo inventei e que provavelmente não faz diferença alguma para a sociedade. Já semeei árvores, já adotei sorrisos e chamei de filhos, escrevi meu nome em um formulário que foi recusado, rasgado, reciclado. No fim, a terra se renova, os insetos se reproduzem e um ligeiro pássaro dá de alimento uma minhoca que nunca soube o que quis dizer o verbo amar. É da sintonia que eu falo, que tudo está em seu lugar, em sua hora. Mas eu estou aqui, lutando contra uma sombra maior que eu. Procurando separar cada coisa e dar nome a cada apunhalada. Se eu me calar, então tudo vai embora e a chuva se aninha.

2.02.2011

TEXTO XXVI : DOS TRÊS PAIS

É pouco, eu sei, mas é amor de qualquer jeito. E não é pra isso que a gente vive? Não é o nosso sonho pequenino, uma casa, uma família, um amor e dinheiro pra se virar? Só depois se preocupar com a casa pequena demais, as contas altas demais, as crianças chorando e esse filho que nem meu é. Daí vai me chamar para dormir umas noites fora do quarto, porque o ronco te irrita, meu suor te irrita, meu bafo te irrita e eu não presto nem para pagar a prestação da moto. É só eu dar uma brecha, procurar outro emprego pelo quarteirão que ele já vem, acho que espera eu sair, me observa de lá de cima do andaime e se aproveita porque o sol me cega. Não vou voltar nesta noite, nem na outra, talvez semana que vem para buscar minhas coisas se ele não estiver em casa. Manda um beijo para a menina, eu já até esqueci o rosto dela. Mas se eu estiver passando e ela estiver brincando no jardim, ah, diz para ela morar no jardim, assim a gente sempre se vê. Diz para ela que eu já fui famoso, diz que eu construí este prédio, sei lá, só para ela não pensar que eu sou só o pedreiro que trabalha naquela construção que nunca acaba. Diz para ela que de lá de cima eu vejo os olhinhos dela. Diz para ela que aquelas flores são para ela, que toda semana vão ser diferentes, diz que a gente já se deu mas agora não dá. E se eu cair distraído do décimo andar, diz para ela que foi sem querer, que entre outras loucuras, agora eu dei pra voar.