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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

12.20.2009

TEXTO XVI : UM POEMA

A ROSA (E O CRAVO)

A rosa é livre
a rosa é medrosa
Uma rosa que é rosa
e outra desbotada

Percorre os espinhos
perfura meu calcanhar
Perfume dos deuses
de rosa e dos córregos

Uma rosa em volta
de dois corpos plásticos
Minha canção derrota
essa rosa que é palida

As rosas tem sotaque
outras não têm nada
Outra flor diluida
em risos e temporais

De um lado roda
a morta rosa de descaso
Um cravo chora rios
e lagos largos sólidos

As pétalas da rosa
se perdem no vendaval
Silêncio por silêncio

É a morte do cravo

Um bravo escravo mói
o amor de duas flores
A morte cor-de-rosa

É a morte de um cravo

A rosa que repousa
Rosa rosa abalada
O cravo ora desprende
de um fim desesperado

Perfume dos deuses
cravados no paladar
As dores dos espinhos
as dores em meu calcanhar

Ricardo Rother

TEXTO XV : UM POEMA

ATÉ QUE

Até que passem o dias
recortados sem destino
que passem os gentis
gestos de menino

que passem os ultrapassados
rostos dos mendigos
que passe o frio
do estômago pelos umbigos

que passem os soluços
disfarados de sorriso
que as noites passem
pelas sombras sem perigo

que possamos nos chamar
de honestamente amigos

Ricardo Rother

TEXTO XIV : UM POEMA

VÃO

Foi em vão
um nervosismo sem nome
de gosto amargo
saudade larga

Outras lembranças
deixam em branco
em vão
titubear os gestos
de mãos trêmulas

Trazer de volta
o não, a preocupação
desejos dos outros
cheiros vencidos e descartados
não há razão

Saltar de um lado para outro
o pulso largo firme

Foram em vão
assim como resistir uma tentação
de velhos costumes
de cabelos compridos

Tudo em vão
por uma esperança latente
que um dia
as coisas voltarão

Em vão que
tudo muda, menos o si

o que erra e desvia o chão

12.19.2009

TEXTO XIII : UM POEMA-MUSICA

[utilizando-me da música de Chico Buarque]

O QUE SERÁ (DE TODOS NÓS)


O que será que será
que entorta meu corpo
de água fria
que enche a minha boca
de hipocrisia
que desaba meu peito
num descontento
e encerra minha dor
e não vem de dentro
apaga o meu suor
reduzido ao leito
E acalma meu sossego
num grito meigo
anula uma vontade
de ser direito
Retira o meu desejo
de pensar, respirar
O que será do todo
de um nó virado
de um corpo cansado
um nada embutido
O que será do povo
sem toda gente
O que mata meus limites
de água quente
Sufoca o ar doente
queima por fora
Uma agonia sempre
que não vai embora
Amputa os meus defeitos
que faço agora?
Por tantas injustiças
que andam bambas
Pelos netos e filhos
da mão do samba
Que dançam em silêncio
a pior das danças
Têm medo do amanhã
pobre de esperança
Que será do grito
que arde em vingança
Atrasa meu sorriso
numa espera mansa
Arrasa com as mães
e os pais enterrados
Pulsa nos dedos firmes
e injustiçados
E o coração poroso
ora alagado
E um fim experiente
e inesperado ...
cansado do chicote
e do amarrado
do corpo e da ferida
encravejados

O que será do medo do escuro...

e o que será de mim...?