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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

2.17.2011

TEXTO XXVIII : AS IDEIAS ENTERRADAS

Pois bem, é pela noite que as peças se amontoam no sofá pequeno e para não ter que me encolher, chuto as idéias para o chão e vou logo atrás. Despejo todos os anos e as fotos que não fiz, depois meus sonhos e futuro do pretérito ao lado da sua última foto comigo. Digo que não, que não é desse jeito, mas não posso te enganar. Justo você. Então coloco o verbo ação em primeiro lugar, sonhando com o dia em que voltemos a nos sorrir sem ter que olhar ao redor e me atiro no sofá de volta com a cabeça fresca. Você, que é a mulher da minha vida, não sabe disso. Mas claro, no bom sentido.

2.11.2011

TEXTO XXVII : DOS BURACOS TAPADOS

Eu não sei como é estar em outro lugar, não imagino uma forma de atravessar fronteiras maiores que a própria imaginação. Mas se posso dizer, a vontade de querer cruzar ou transpor essa corrente de violência é maior que tudo o que já passei. Entender os limites entre a vida ou a morte, talvez tudo isso seja mais bonito na ficção.
O silêncio é o pior sintoma da frustração.
Em algum lugar pior que esse, espero que outras pessoas dancem em volta de uma fogueira ou então comemorem nascimentos e aniversários.
Essas paredes ficam cada vez mais estreitas, mas isto não é um caixão. Isto não é uma carta de redenção ou despedida. É um suplício a mim mesmo e ao meu e também seu vício de se manter vivo. Não faz diferença, agora não. Guerra e paz são duas ideias, são duas frequências e eu não me misturo com nenhuma delas. Sigo um manual que eu mesmo inventei e que provavelmente não faz diferença alguma para a sociedade. Já semeei árvores, já adotei sorrisos e chamei de filhos, escrevi meu nome em um formulário que foi recusado, rasgado, reciclado. No fim, a terra se renova, os insetos se reproduzem e um ligeiro pássaro dá de alimento uma minhoca que nunca soube o que quis dizer o verbo amar. É da sintonia que eu falo, que tudo está em seu lugar, em sua hora. Mas eu estou aqui, lutando contra uma sombra maior que eu. Procurando separar cada coisa e dar nome a cada apunhalada. Se eu me calar, então tudo vai embora e a chuva se aninha.

2.02.2011

TEXTO XXVI : DOS TRÊS PAIS

É pouco, eu sei, mas é amor de qualquer jeito. E não é pra isso que a gente vive? Não é o nosso sonho pequenino, uma casa, uma família, um amor e dinheiro pra se virar? Só depois se preocupar com a casa pequena demais, as contas altas demais, as crianças chorando e esse filho que nem meu é. Daí vai me chamar para dormir umas noites fora do quarto, porque o ronco te irrita, meu suor te irrita, meu bafo te irrita e eu não presto nem para pagar a prestação da moto. É só eu dar uma brecha, procurar outro emprego pelo quarteirão que ele já vem, acho que espera eu sair, me observa de lá de cima do andaime e se aproveita porque o sol me cega. Não vou voltar nesta noite, nem na outra, talvez semana que vem para buscar minhas coisas se ele não estiver em casa. Manda um beijo para a menina, eu já até esqueci o rosto dela. Mas se eu estiver passando e ela estiver brincando no jardim, ah, diz para ela morar no jardim, assim a gente sempre se vê. Diz para ela que eu já fui famoso, diz que eu construí este prédio, sei lá, só para ela não pensar que eu sou só o pedreiro que trabalha naquela construção que nunca acaba. Diz para ela que de lá de cima eu vejo os olhinhos dela. Diz para ela que aquelas flores são para ela, que toda semana vão ser diferentes, diz que a gente já se deu mas agora não dá. E se eu cair distraído do décimo andar, diz para ela que foi sem querer, que entre outras loucuras, agora eu dei pra voar.