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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

7.25.2009

TEXTO VII : UM POEMA

O SEU SORRISO NUNCA FOI SEU

O seu sorriso nunca foi seu
Foi dos outros, passeando os olhos
Seu sorriso é de quem tem saudade
Nunca foi seu e nunca será

O seu sorriso nunca foi seu
O seu sorriso ora é meu
Ora seu sorriso sou eu
Mas não estou tentando me gabar

O seu sorriso nunca foi meu
Mente, aquele que diz o ter
É um sorriso de presente
O maior que jamais me deu

O seu sorriso nunca foi seu
Por maior que fosse a vontade

[Me dê a mão e junte-se a mim
Não perca de vista meu olhar]

Nesse abraço encontrei abrigo
Perdi o medo e até a coragem
Perdi as horas e também a viagem
Parei no tempo mas tenho comigo
a única lembrança da qual preciso
Não tem dono aquele seu sorriso
Embora eu o leve na palma da mão

O seu sorriso nunca foi meu
Mas aponta sempre minha direção

Ricardo Rother

Publicado no Recanto das Letras em 25/07/2009



Para Ana, sempre.

7.22.2009

TEXTO IV, V E VI : UMA MÚSICA E DOIS POEMAS


MÚSICA PRA VOCÊ VOLTAR LOGO DE FÉRIAS

Vou fazer
Você perder de vista
Tudo que tem
Um retrato
Um pouquinho de nós dois

Enquanto me procura em todo canto
Me disfarço de jornal, revista
Pra me ler com um gole de café


Se me ama
Me engana até de manhã
Meu nome não é giovanni
O meu nome não é bem-me-quer

Se mal quiser
Acaso vier
Ou bem entender
Você vai ver

Duas da tarde no parque
Eu dando voltas nas horas
Não vendo a hora de dizer
Depois da longa estadia
Eu quase cansei
O meu nome é Abril

Não me chame de nada
Não entorte a vizinha
Não me traga tristeza

Eu estou de saída
Vou te procurar
Numa esquina gelada, uma rua infeliz

Vou dizer o que quis
Se não viu, vou fazer

Um fim de mês e talvez
Não precise me disfarçar

Ricardo Rother

Publicado no Recanto das Letras em 22/07/2009





(NÃO É) DE CINEMA

Que pena, amor
Nosso amor não é de cinema
Nem de poltrona
E agora amor
Vou gostar menos de você?
Ver nosso caso na tevê?

Se eu te salvar do perigo
Se eu fosse teu primeiro amigo
Ainda assim não é amor de novela
Não tem serenata na janela

É um amor igual aos outros
Um amor sincero e tão manso
E por isso não me canso
Eu te digo, isso é real

Já cansei de amores falsos
De brincadeira e do primeiro
Sem as metades da laranja
Você completa o que já é inteiro

É de lágrima, de saudade
Quem sabe é você e eu
Não me importa ser famoso
É tão meu quanto seu
É nosso amor de filme de verdade

Ricardo Rother

Publicado no Recanto das Letras em 22/07/2009




RELATO MUITO APAIXONADO

Eu te conheço aos pedaços
Poucos pontos incompletos
Os pecados, os medos
Acasos que a modelam

De passos aveludados profundos
Contempla sua graça, seu ar

Imagino assim imperfeita
Com tantas falhas apaixonantes
Seu orgulho inconfundível
Seus amantes imaginários

Sua perfeição em retalhos
Espalhados pelo chão
Doçura de minha alma
Seus rodeios bem matinais

Anoitece bem lentamente
Com a lua o olhar inunda
Enche de sede minha boca

Num abraço
um encaixe a dois
Levo adiante
Deixa o amor a sós

Leva de mim sussurros
Toma um gole de café

Entrega ao meu peito inquieto
Suas mãos de artista
Me devora e enterra
Seu carinho e meu afeto

Ricardo Rother

Publicado no Recanto das Letras em 22/07/2009 e escrito em meados de janeiro.







"Música para você voltar logo de férias" e o poema "(não é) De cinema" são dedicados à Ana Clara Mendonça.

TEXTO III : UM POEMA

SOBRE PARIS

Serei eu a banalizar o amor?
Se eu desistir de sorrir
Então tire-me a manhã e o sol
Tira de mim tudo que me faz impedir

Não me venha com uma aurora ou canto
Qualquer coisa que faça meu sono voar
Vi tanto grito e choro em vão
Ele foi mas eu não vou
Eu insisto em ser e só
Amanhecer e sobrar-me luz

Adoecer e sobrar-me pus
Meu grito ou meu choro, não
Quantas das lagrimas tuas são efêmeras
Eterno é só o sofrimento
E partir?
Viaja agora que ainda é menino

Juro, nada é em vão
Te juro, a vida é um eterno não
De tudo que há a ser feito
Ainda falta um suspiro e tua mão
Sou eterno, senão...
Um simples vento, sou

Desejos incompletos
Nós nos
Impetuosos afetos
Acabo meu prato
Meu pranto
Nunca concretizei

Ricardo Rother

não publicado

7.15.2009

TEXTO I E II : CRÔNICA E UM POEMA



O MISTÉRIO DA CAMA ENTRE AS NOVE HORAS E MEIO DIA


Era a terceira vez que Arthur acordava pouco antes das nove e meia. Nove e treze, precisamente. Acordava e não abria os olhos. De fato não sabia se estava acordado. Ele não estava necessariamente em um sonho pois podia ouvir os sons vindo de fora do quarto. Ouvia a conversa de sua mãe com a sua avó. Ouvia o rapaz que veio consertar a geladeira. Sabia que algo estava acontecendo fora do quarto, mas não podia ter certeza se o quarto estava no sonho ou estava ali mesmo.
O que acontecia neste período era que Arthur ia se contorcendo, se revirando, inventando novas posições e caía sempre em um conforto nunca antes provado. Igualava-se ao conforto que sentira no útero da mãe quando nem era nascido, mas não se lembrava da sensação então não podia comparar.
Da primeira vez, estranhou mas não se preocupou em analisar o tal conforto. Só teve o trabalho de esboçar um leve sorriso e daí em diante mais nada. Nem notou a baba que escorria no canto da boca. Acordou com a bochecha meio molhada. Espantou-se.
O curioso de quando se baba enquanto dorme é que esta ocorre quando durante o sono, o seu corpo desliga as funções motoras, incluindo a de fechar a boca. Ou seja, Arthur tinha experimentado um conforto tão grande que havia desligado seu sistema motor enquanto dormia. Como era possível tal conforto se a cama era a mesma, as cobertas ainda eram as mesmas e não havia trocado os travesseiros. Tudo era igual, Arthur era igual, não havia mais ninguém ali. O que possivelmente estaria diferente?
No segundo dia, Arthur se via diante do conforto novamente às nove horas e trinta e dois minutos, logo após alguém derrubar um prego no andar de cima. Arthur novamente não abriu os olhos. Podia ouvir todo o ambiente com muita precisão, sabia onde estava o mosquito que fazia um barulho não tão incômodo, porém perceptível a recém acordada audição de Arthur. Decidiu tentar novas posições afim de entender o processo do conforto que o envolvia. Tentou um braço para baixo e o pescoço para o lado, aquilo não poderia ser confortável. Mas era, e como era! Era tão confortável que o fez perder a vontade de resolver o mistério matinal. Se entregou novamente aos encantos da cama e quando menos percebeu, acordou com a marca umida no travesseiro.
Veio o terceiro dia e Arthur antes de dormir se dispôs a não dormir de manhã enquanto não resolvesse o mistério. Estava confiante de que chegaria ao pé do mistério, o resolveria e então dormiria tranquilamente. Arthur esperou e o sono veio, num conforto que ele já estava acostumado, o mesmo de tantos anos. O despertador tocou às nove horas, Arthur abriu os olhos desta vez, procurou, virou-se, revirou-se. Tirou um braço e colocou do outro lado, virou o tronco, entortou o pescoço e esperou ...Esperou e nada aconteceu. Tentou outras duas posições malucas e nada. Fechou os olhos imaginando que desta forma sentiria melhor a espuma do colchão ou a força mágica que o envolvia nessa hora.
Arthur passou mais dois dias sem dormir esperando o intervalo de tempo entre as nove horas e o meio dia. Arthur esperou ...E esperou deitado.

Ricardo Rother

Publicado no Recanto das Letras em 15/07/2009




ACABOU


Pode o amor acabar de repente?
Outro amor surgir num segundo?

Desde o pulso acelerado
À respiração mais ofegante
Na lingua um gosto nostalgico
Repousa um fim pálido e frio

A tradução desse instante
Nao se descreve com palavras
Mas outro dia veio dizer
Que o mundo gira e eu também

Sem rodeios, me diz
Não é mais feliz?

-Estou triste mas vou partir

Fiquei sem bolso e sem fogo
Alegria na bebida
jamais

E sem lagrimas caminhei
Naquele lago onde a conheci
Amanheci
Não tinha gosto nem dor

Ricardo Rother

Publicado no Recanto das Letras em 13/07/2009

7.12.2009

VOLUME III : CONTOS PARTE II (CONTO AO ACASO)

O conto foi originalmente publicado em 8 capítulos no fim de 2008 . A versão a seguir foi revisada e contém uma introdução do próprio autor.


UM CONTO AO ACASO



INTRODUÇÃO



É provável que um dia os mistérios do universo e outras coisas muito além dos microscópios e telescópios sejam resolvidos e façam parte do senso comum. Talvez o mundo dos acontecimentos não seja mais tão intrigante assim, talvez tudo tenha uma explicação um dia. No dia em que forem descobertos os fios pelos quais o destino nos faz marionete, a vida perca sua essência. Talvez se este dia chegar, muitos vão duvidar, virar céticos por acreditarem ainda nas leis da improbabilidade e do acaso. Este dia será o dia também do fim das frustrações. Quando você sabe o que te espera, sabe o fim, sabe o que vai acontecer, fica difícil se imaginar muito além disso, consequentemente fica difícil a tal da frustração.
Esse sentimento, essa emoção; este comportamento que desempenha papel importante no nosso dia a dia. Que há de tão fascinante no que pode ser e no que há pela frente? Viver de olhos fechados para o futuro, esperando esbarrar em alguma parede para então mudar de caminho? Ou pensar à frente é sempre necessário?


I – ELE


A vida era um fim de festa, trágica, sempre assim pra ele, sozinho e sem amigos. Sem tantos amigos que tinha aos dez anos de idade. Mas era uma escolha própria que ele fazia por tudo parecer o acaso. Sua vida sempre foi ao acaso. Sonhava, mas era tudo pronto, tudo já tinha sido sonhado, tudo já tinha sido feito. Ele tentava escrever uma música. Só uma. Mas tudo já tinha sido feito.
Ele resolveu aventurar-se. Resolveu que precisava dar uma volta um pouco maior que o quarteirão de sua solidão. Ele queria sentir o vento do outro lado da ponte. Conhecer tantos caminhos quanto não pudesse se decidir seria levado pelo vento. Despediu-se do gato preguiçoso e sonolento que era o seu reflexo. Deu um último beijo na mãe que cedo ia para o trabalho, nem tinha mais tempo de contar as histórias do falecido pai. E vivia só pelo filho mesmo. Saiu e olhou pro céu, veio a primeira gota. Era a chuva, chuva mesmo. Chuva que o fazia lembrar da infância, tão prazerosa, sem preocupações. Decidiu virar criança ali mesmo, colocando a língua pra fora e sentindo todos os sabores, sentiu o primeiro amor e o primeiro cachorro.
Encontrou o Sr. Bonifácio e discutiu os mesmos assuntos; futebol, mulher e política. Fora o gato e a mãe, era com quem mais conversava mesmo. Seguiu viagem, pegou o primeiro ônibus para aventura, e sentou-se ao lado de uma mulher gorda. Puxou assunto, viu que a porta abrindo e desceu logo em seguida. Era assim, se tivesse a chance fugia e decidiu sair correndo. Correu até as pernas fraquejarem, e como era boa a sensação de cansar de fugir. Pegou outro ônibus para casa, olhou bem o prédio onde tinha passado toda sua vida. Viu as varandas enfeitadas do natal, pensou no pai. O pai nunca pensou nele, e por isso quis ser grande. Estufou o peito, entrou em casa acariciou o gato, que na mesma posição há dias, retrucou-lhe um miado como quem dissesse "Bem-vindo". E assim sentou-se na cama, sentiu-se bem vindo de sua jornada pelo mundo. Fechou a porta do seu próprio mundo, tirou as meias e já era noite. Pegou o violão, o violão que era do pai e tinha o cheiro dele. Deu quatro acordes, a letra veio em seguida. Cantou sobre a vida cheia de expectativas. Deitou-se, feliz. Compôs, e a música não tinha sido feito ainda. Ele cantou, ele viveu e desejou sonhar tantas noites com os caminhos que podia trilhar. Tinha a consciência limpa e dormiu nos braços do acaso novamente.


II – ELA


Os balões, tão coloridos, tão leves, tão majestosos e cheios de si. Os deuses do céu.
Ela também era assim, ou pelo menos imaginava ser. Sempre foi boa em tudo, campeã de ginástica, medalha de ouro na soletração, boletim cheio de dez. Quem não a queria como filha? Educada, simpática, moça prendada tão responsável. Tinha um olhar manso, cheio de esperanças. A namorada perfeita. Os rapazes faziam fila, mas era moça de família, só depois do casamento. Namorou o Claudio e o Marcelo. Amigos até tempos depois. Seu olhar manso escondia tantas frustrações, tantas que nem cabiam em seu coração enorme.
O pai queria que seguisse sua carreira, medicina, a mãe das carreiras. E tinha o futuro garantido na área, não tinha dúvidas. A mãe, queria vê-la casada com um bom advogado ou alguém que lhe garantisse uma vida confortável e a segurança que tanto esforçava para que tivesse.
Tinha tudo planejado, tudo feito pra ela. E nada que lhe restasse fazer, apenas, viver o sonho. O sonho dos outros. E ela, cheia de si, sabia que podia mais, e de fato, podia muito mais! Podia voar, quando ninguém estava olhando, voava, voava mesmo! Mas logo o grito desesperado do pai pelo bom futuro a trazia de volta. E então, engolia o choro, e sorria. Aquele sorriso lindo.
Não demorou muito para que ela soubesse o que precisava fazer. Precisava sair, precisava voar. Isso! Voar para bem longe. Longe dos desejos materiais, ser feliz lá do alto. Como um balão. Mas balões são conduzidos, são guiados, tem combustível, seguem rotas, não ficam por aí, ao acaso. E agora como haveria de ser um balão? Largado na grama esperando seu condutor. Precisava de um condutor, alguém que lhe desse combustível pra seguir viagem, que a orientasse. Sorriu, e dessa vez de verdade, sorriu como nunca. Iluminou todo o quarto. Uns dizem ter visto o brilho, outros dizem ter ouvido risos. Ela, nunca desmentiu. Era seu sorriso, seu momento. Beijou o pai e a mãe, certos do seu destino. Ela virou de costas, fechou a porta do quarto. Sabia o que tinha e o que queria. E olhou para a janela esperando. Esperando alguém a procura dela, olhou os balões, à espera de um céu limpo. Primavera, na primavera ainda iria voar.


III – UM ENCONTRO


Era cedo, era muito cedo. Era tão cedo que embaçava a vista dos olhos sonolentos ainda. E já de pé, a cidade já estava toda de pé. Foi exatamente às sete e vinte que aconteceu.
Ele ia distraído e olhando para o chão. Não olhava muito à frente, talvez porque não enxergasse um futuro, era focado no presente e só lamentava seu passado. Um passo atrás do outro, um lamento atrás do outro, mas seguia seu caminho, deixando tudo correr como talvez devesse correr, sem correr muitos riscos, claro. Ia ao seu passo.
Ela, sorridente, iluminava seu caminho com um brilho intermitente, tinha olhos somente para o futuro, deixando às vezes escapar seu presente com tantas expectativas que agora tinha. Cumprimentava a todos, e todos lhe retribuíam o gesto. Recebia presentes na segunda-feira, ouvia as fofocas sobre o fim de semana, nem parava mais para ouvir o rádio. Tinha prova de literatura ainda.
Parou alguns segundos antes da porta de entrada para ler uma mensagem no seu celular. Era sem remetente, e tomou dez segundos do seu tempo.
Tempo suficiente para que o garoto distraído e cabisbaixo por natureza abrisse a porta no momento que ela passava. Tempo insuficiente para que ela se desse conta do que estava prestes a acontecer.
E foi inevitável, como muitas coisas na vida. O choque entre os dois, foi mais que inevitável, era como se soubessem que ia acontecer, mas não pudessem evitar. Bem, talvez não. Livros espalhados pelo chão, bilhetinhos carinhosos para ela, claro. Ela pegou os livros rabiscados dele, e alguns desenhos que lhe assustaram um pouco. Ele recolheu duas canetas coloridas, três livros impecáveis e o fichário com cheiro de cereja. "Ai, como sou estabanada, desculpa" ela disse com um sorrisinho que muitos rapazes não esquecem. E se tinha qualidade que não lhe cabia era a falta de destreza com as mãos. Ela, que tinha mãos leves como os pés de uma bailarina nunca havia quebrado um copo sequer. Pouco se sujou enquanto era criança, preferia pintura num quadro à pintura na parede. Coisa que já cabia a ele. E o desleixo lhe caía muito bem, mas nem fazia nada por abafar a idéia de que ele fosse desleixado mesmo.
Enquanto pegavam os livros, não se preocuparam em notar suas silhuetas. Ele, sempre desligado, e nunca se importando com o mundo ao seu redor, ainda fazia questão de mostrar sua ignorância para com uma fêmea da sua espécie, soltando algumas palavras não muito apropriadas.
Os dois lentamente levantaram a cabeça, e como num momento mágico, o cruzar de olhares, um momento que para ele, o tempo parou, não existia nem passado, nem futuro, e nem presente talvez, já que o tempo não passava mais. Ele vislumbrava um rosto angelical, radiante, nunca antes percebido.
Enquanto que para ela, o tempo parecia correr, e com pressa de se livrar do olhar quase faminto do rapaz, fez algum tipo de brincadeira e foi embora.
Deixou o rapaz de queixo caído, agora de cabeça erguida acompanhando os passos dela até a sala de aula. Só foi interrompido pelo sinal que batia, avisando-o que estava atrasado. Mas não ligava de outra advertência. O que importava é que olhava para frente agora e sonhava com o futuro. Não lhe importava a beleza, o olhar, lhe importava olhar para frente. Era novo, e estava empolgado.
Saiu correndo antes que alguém pudesse ver seu sorriso sincero estampando o rosto.


IV – UM DIA DEPOIS (DELA)


Outro dia comum na casa da família Revicci. Primeiro a mãe acordava, e chacoalhava o pai umas três vezes antes de ele resmungar querendo mais um cochilo. "Levanta! Vai se atrasar".
Descia as escadas, acendia a luz do quarto da Fabiana. E como ela odiava que acendessem a luz do quarto. Porque não o abajur? Outra luz qualquer, menos a da lâmpada. Enfim conformava-se que podia ser pior, podiam lhe jogar água na cara. Funcionava, menos para o seu humor.
Todos prontos, arrumados. Ela, disfarçando o sono com sua maquiagem importada. Tomavam seu café da manhã.
Torradas para o pai, frutas para a mãe. Só leite, não muito quente para ela. "Não me sinto muito bem de manhã, acho que é o estômago" sempre dizia isso, mudando as palavras, mas queria dizer que sentia enjôo de agüentar todo dia a mesma falsidade.
Entravam no carro os três, a mãe dirigia. O pai lia o jornal enquanto isso e sempre comentava sobre alguma notícia ruim, que era motivo para não se alegrar no trabalho, fazia-o sempre como tivesse necessidade de alimentar um vício mórbido.
Primeira parada, ela descia, ajeitava sua blusa e o cabelo, se olhava no vidro do carro e sorria. Mantinha o sorriso do momento em que se olhava no carro até o momento em que saísse da escola e entrasse no mesmo.
Tomou cuidado dessa vez para não esbarrar em ninguém novamente, mas o fez sem prestar atenção em ninguém. Ninguém em especial. Procurava alguém especial, mas duvidava que fosse encontrar assim de repente. E pensou na esbarrada do dia anterior. Pensou como pensava na vida, cientificamente, pensou que a esbarrada foi uma coincidência entre dois corpos que tentavam ocupar o mesmo espaço e que, claro, sabia que pela Física, era impossível. Mas seria mesmo? Nascia ali um pensamento mais humano, mais sentimental, que antes era tão esmagado pela inteligência elevada.
Decidiu guardar o pensamento para mais tarde, havia chegado cedo e foi à lanchonete tomar café sem sentir náusea dos próprios pais.
Pediu um lanche natural, e sentou-se para comer. Limpou a boca com o guardanapo, aproveitou para retocar a maquiagem. Abriu seu estojo de maquiagem, não se achava tão linda quantos os outros diziam ser, mas fazia suas caras sensuais ali mesmo no espelhinho. Guardou o espelho, na bolsa. E virou a cabeça pra cima, como fazia sempre para jogar o cabelo para trás. Nem reparou no tênis sujo ao olhar para o chão. O tênis, que havia visto ao recolher uns livros rabiscados no dia anterior.
Para sua surpresa, era ele, até então, desconhecido estabanado. Sorriu como sorria para todos, fingiu umas perguntas bestas e logo se retirou da mesa. Deixando o jovem, desconhecido e pouco importante, como todos os outros que a admiravam.
Ele, sem resposta, sentou-se no lugar antes ocupado por ela. Colocou o fone de volta no ouvido e pensou que sua vida era muito mais que um olhar, e um outro sorriso. Decidiu estudar para a prova da aula seguinte. Ele, que nunca foi de estudar. Mas também, nunca foi de sonhar. Estava cheio de experiências novas. "Sempre há uma primeira vez para tudo" pensava sozinho, como sempre pensou.
E não havia mal algum pensar assim.


V – UM DIA DEPOIS (DELE)


Ele acordava sempre com uma dor de cabeça, e ainda queria saber de onde vinha. Vinha provavelmente dos pensamentos sombrios que sempre tinha, antes e depois de acordar. Mas não se importava com isso, não se importava mais. E hoje não era um dia comum. Era um dia novo e ele tinha sonhado novamente. Já conseguia se imaginar sonhando todos os dias.
Como num dia atípico, resolveu tomar café com a mãe. A mãe sempre ocupada lendo seu jornal, ou assistindo sua televisão, como se não quisesse ficar desocupada, ou sentir-se inútil como se sentia ao dormir. A mãe cumprimentou-o já sabendo que sua resposta seria a mesma de sempre. Naquele dia a mãe deixou o jornal de lado ao ouvir "Bom dia, mãe. Tudo bem?". A mãe espantou-se, ela tomou café mais rápido do que tomava normalmente. Ela sentiu algo lá dentro batendo mais forte e nem sabia o que era, mas sentiu.
Ele tomou o seu leite, frio como sempre, jogou um biscoito para o gato. Este nem com os olhos acompanhou a trajetória do agrado. Continuou na mesma posição que estava há dias, parecia até meditar. Gato meditando? Quem sabe? Não era um dia comum na casa. Prosseguiu sua jornada. Foi a pé para a escola, decidiu respirar um pouco de ar. Que logo foi infestado pelo cigarro que acendia já às sete horas da manhã. Foi ouvindo sua música, como sempre fez, pisando apenas nos espaços brancos da calçada. Cumprimentou a mulher que ficava na quitanda. Ela estranhou, mas logo se distraiu com outra mosca. Foi a pé, mas sentia que voava, e como queria voar. Queria experimentar outras coisas e por que não voar? Lembrou da esbarrada do dia anterior com a garota linda, pensou que talvez pudesse revê-la. Nem que fosse para uma outra esbarrada. Dessa vez sentia-se com mais vontade de conversar. Tinha alguma vontade de conversar e isso já bastava para seu ego. Vasculhou a entrada da escola e não a encontrou. Resolveu procurar na lanchonete, como quem não quisesse nada. Talvez um lanche. Um lanche lhe cairia bem. Pegou uma bala que estava a alguns dias no pote da mesa da sala, para disfarçar o hálito matinal. Encontrou-a sentada na segunda mesa depois da árvore. Ficou parado, esperando que ela olhasse e o reconhecesse. Queria se apresentar e conhecer um pouco, queria mais tirar o peso de ter sido ignorante e arrogante como foi durante toda sua vida. Hoje era um novo dia, era um dia atípico, hoje ele era sociável.
Ela enterrada com a cara na bolsa, fingindo que não o via, logo ergueu a cabeça e sem esboçar muita surpresa lhe sorriu. Cumprimentou-o, puxou assunto. Era seu dia de sorte! Tinha tantos assuntos pra dividir com alguém que já pulavam pela língua a fora.
Ela teve de ir embora, estava atrasada, largou metade de um lanche lá e ele resolveu sentar-se. Mascarando sua decepção. Viu a moça ir em direção à classe. Ela andava graciosamente, nem era para ele, para ela mesma. Ela gostava de sentir-se leve. Ela tinha um ar de bailarina, e hoje, num dia comum, queria afundar no livro de química e de lá tirar uma poção para livrá-la do tédio. Tédio que nem ela sabia de onde vinha.
O tédio está em nós mesmos, a partir do momento que admitimos que ele está presente.
Com ela não foi diferente, logo esqueceu da vida pensando em polígonos, volts e presentes de casamento.



VI – UM SORRISO


Era o quarto dia de suas novas vidas. Suas vidas que agora faziam sentido. Não faziam tanto sentido. Mas tinham certo prazer em viver, e era novidade para ambos.
A segunda aula era de Literatura. Ela adorava Literatura, e todas as outras matérias. Adorava as exatas, as humanas. Uma daquelas pessoas que nasceu para estudar.. Todos nós nascemos, mas ao menos ela gostava. Era difícil dizer do que ele gostava, digamos que tinha certa afeição pela matéria. Única e exclusivamente, ele se identificava com alguns personagens clássicos, coisas do gênero.
O que importa é que ambos gostavam da aula, e estavam lá. Estavam pela aula e nada mais. Ela que sonhava escrever um livro e ele que provavelmente o leria. Ele gostava de ler, devorava livros, mas pouco importavam para ele. Gostava mais do desafio de terminar um livro e colocar na estante, como seu quadro de troféus. E aumentava a cada dia a sua sede, e aumentava cada dia o seu mural de troféus.
Ele queria entender um coração partido, mas nunca tinha amado. Ela queria entender o amor, e só conhecia um coração partido, que era o dela. Eles entraram na sala, sem ter conhecimento da presença um do outro. Sentaram-se por acaso lado a lado. E o acaso andava aprontando boas pegadinhas nos dois, que agora confiavam nele. Sentaram-se e entreolharam-se. Um sorrisinho dela, um olhar sério dele.
Ele sentiu-se desconfortável com a presença dela. Achava que era de propósito. E ela também. Antes que percebessem estavam lendo o mesmo livro, o mesmo capítulo. Provavelmente não estavam lendo a mesma frase, seria pedir demais. Mas entreolharam-se novamente, dessa vez ambos com um riso por estarem mais uma vez numa pegadinha do acaso. E começaram a conversar sobre o livro.
A conversa estendeu-se até o intervalo, eles tinham mais em comum do que o livro e o capítulo. Ela queria ser alguém, ele queria viver algo. Ela queria voar, ele queria viajar.
Ele queria um futuro, ela queria colorir seu livro de fantasias, ele queria alguém para conversar e ela queria alguém pra ser verdadeira.
Não é difícil imaginar o que aconteceria ali há algum tempo depois. Ele começava a sentir um frio na espinha e o suor escorrendo na testa. Ela achou aquilo bonitinho, e sorriu. Não como sorria sempre, sorriu como quem sorria ao futuro. Ele sorriu de volta, sorriu como quem havia encontrado o futuro.
E antes que percebessem tocavam a mão um do outro, riam alto. Ele nem sabia como era mais sua risada. Mas ria mesmo assim, desengonçado. E ela não ligava.
O rádio tocava a música deles, a música para eles, e ninguém ouvia a música. A música que era da Ana para o Felipe, do Roberto para a Beatriz, a música de todos eles. Todos.
"Eu sou a Fabiana" ela ainda não sabia o seu nome e para ela isso importava agora.
"Meu nome é Augusto .. e eu acho que te amo". Ele não sabia o que era o amor, não sabia o que queria dizer as palavras dele, mas disse mesmo assim, sem medo, ele não olhava mais para o chão, olhava nos olhos dela.
Ela não tinha mais palavras, ela que conhecia tantas palavras em inglês, francês e fazia curso de mandarim. Ela procurava nos dicionários da sua mente. Ela procurava alguma citação, ela procurava um poema. Ela não sabia o que dizer. E sem palavras o beijou. Pôde sentir seu corpo saindo do chão.
E estava voando, novamente. Não estava sozinha, estava com ele e ainda sim podia voar. Ela sorriu, ele também.
Ela seria livre agora, voaria como os balões que almejava. Tinha ao seu lado o seu guia, tinha todo o combustível, ele era livre para o mundo, pouco lhe importava a geometria, a cinemática e os micro-organismos. Eles voariam para longe, do mundo, de tudo. A carreira na Medicina a aguardava ainda, e ele, tinha seus livros para ler.
Eles voltaram para suas casas, deitaram-se na cama, tentando ouvir a música deles, que nem era deles ainda. Despediram-se das estrelas e sonharam com o que o acaso e a segunda-feira lhes guardavam.
Ele sonhou com as cerejeiras e ela com os poemas. Eles não tinham pressa e nem o acaso.
Abraçou o travesseiro esperando algum arco-íris em seu quarto.


VII – UMA LÁGRIMA


A idéia de dois corpos ocuparem o mesmo espaço ainda parecia absurda para ela. Ia contra as leis da Física que ela tanto estudava. Mas talvez houvesse algo a mais. Algo maior, algo que somente a força que o acaso lhe impunha poderia ser responsável.
Ele, já não acreditava nesse destino, o acaso era um mero companheiro. Custava a acreditar no tal destino desde que seu pai faleceu. Não tinha afeto pelo pai, e nem ele o mesmo. E por mais que lhe faltasse esse amor, esse contato, cresceu sentindo falta de algo, todas as suas músicas jogadas fora falavam disso. Não necessariamente do pai, mas da falta que lhe fazia a sua figura.
Sua mãe demorou para que começasse a namorar de novo. Ele nunca aprovou nenhum dos candidatos ao posto do pai. A adolescência talvez o confundisse, mas sua mãe cansou de insistir e conformou-se com a solidão.
Fabiana colocava o travesseiro sobre a cabeça para não ouvir os gritos dos pais enquanto discutiam desde pequena. Adormecia assim, sufocada pela mentira que viveria no dia seguinte vendo os dois fingindo ser um casal feliz. Sonhava mais um dia com os balões, com as estrelas, sonhava agora com a sua iminente partida.
O alarme tocava nas duas casas, era mais uma segunda-feira. Ela não parecia se importar em levantar tão cedo e nem ele, que já estava acordado antes mesmo do relógio bater às seis horas. Estava inquieto, pensando no que o acaso teria reservado para ele.
Ambos seguiam sua rotina, não dando nenhum tipo de sinal do que estavam esperando.
Ela nem disfarçava o sorriso e o sorriso já lhe era natural, não dava para notar a diferença.
Ele acariciou o gato. O gato não parecia estar lá, estava inerte, tinha emagrecido. Seu olhar continuava fixo e ninguém parecia notar. Às vezes miava, em um tom desconhecido entre os gatos e continuava lá.
Ela não tinha gato, nem cachorro, tinha um peixe que nem era dela na verdade. O peixe era da mãe, e chamava-se Tião, curiosamente, o nome do primeiro namorado da mãe. O pai desconfiava sempre da mãe e o adultério era tema freqüente das discussões entre eles. Fabiana nunca gostou do Tião e acreditava que o pai é quem tinha um caso com a secretária.
Terminados os rituais matinais das casas, os dois dirigiam-se à escola como sempre faziam. Ele, empolgado. Ela, receosa. "Um estranho, beijei um estranho que diz que me ama e se ele for um louco? Psicopata?!" ela não parava de pensar no último encontro entre eles.
Naquela manhã, talvez por estar com a cabeça em outro lugar, e o lugar era à sua frente como gostava de pensar, o rapaz não percebeu as sombras que se aproximavam de trás dele. Ela também não fazia idéia do que ocorreria e nem tinha como saber, nem sabia nada sobre ele. Sabia que se chamava Augusto, que era estranho e amava ela, ou pensava que amava.
Momentos antes de chegar ao quarteirão da escola, Augusto foi abordado por quatro rapazes mais velhos, espancado e violentado.
Não chegou a entrar na escola nesse dia, ficou sozinho, como sempre fazia quando isso ocorria. Ficou sentado num banco, e foi tomado novamente pelos pensamentos nocivos e sombrios. Era frio de novo, Não queria falar com ninguém.
Ela estranhou sua ausência, fofocou com as amigas, comeu seu lanche de salmão e acertou todos os exercícios de trigonometria. Resolveu não aumentar suas expectativas com o rapaz. Foi saindo da escola com sua pose como sempre fez e notou uma silhueta conhecida lá longe. Era ele! Resolveu ir até lá. Ele estava rancoroso, quieto, e imóvel, como o gato. Ela falava com ele, ele não ouvia nada, ele era uma rocha. Ela enfureceu-se, não perdeu a pose e foi embora como sempre fez. E não pensou mais nele, como nunca fez.
Contou ao pai sobre o dia na escola, e sorridente despediu-se dele como sempre fazia, como a bonequinha que ele tanto amava.
Deitou na cama, pensou no Augusto, pensou melhor. Pensou nos logaritmos que lhe confundiam a cabeça e logo não quis mais voar.
Acomodou-se na cama, beijou o sapo de pelúcia e quis acordar num dia ensolarado, que iluminasse mais que o sorriso falso que dominava o quarto.


VIII – FINAL


A madrugada e o silêncio que ela trazia, alimentava toda a crueldade que agora habitava o corpo dele. Não tinha forças para repelir o ódio que sentia de si mesmo. Sentia-se fraco, sujo, insignificante. Nem queria mais olhar para o chão, não queria mais abrir os olhos. Encarava a foto do pai amassada no fundo da gaveta, a gaveta era cheia de outras dores guardadas. Queria ter alguma carta de amor, algum desenho alegre. Queria ter alguma motivação e depois desistir só de raiva, queria rasgar o mundo e depois jogar fora. Queria abandonar algum sonho que tinha na vida. Queria destruir algo importante para ele, algo importante para alguém, queria fazer parte de algo e depois abandonar. Algo que fizesse sentir que sua existência não importava e nunca tinha importado. Não pensava em se matar, não via prazer na morte. Morreria e encontraria o pai. A dor que vivia valia mais a pena que o tal encontro.
Pensou no acaso, ele tinha confiado no acaso e ele o deixou na mão. Não viu recompensa e agora estava de volta à estaca zero. Havia progredido tanto, conheceu o mundo, conheceu um sorriso, se surpreendeu e agora não havia mais para onde ir a não ser para sua cama. Olhava o violão com um pouco de saudade, não sabia de quem, mas tinha saudade. Encarou mais uma vez o gato, o gato sorriu e pulou pela janela. Sabe-se lá onde foi parar o gato. Ele nem se importou, apagou o abajur, olhou para a estante de livros e conformou-se com a insignificante existência que tinha, xingou Deus e decidiu deixar um bigode crescer.
Ela também não dormiu bem aquela noite. Seus pais não brigavam já fazia um tempo e ela até sentiu falta, pelo menos assim conseguiria dormir. Mas naquela madrugada ela não sabia o que fazer. Ela não pensava no Augusto, ou no seu olhar. Ela pensava que seu coração jamais se sentiria vivo algum dia e queria estar errada. Via seus sonhos de liberdade indo embora e o tormento de seguir a vida que os pais queriam para ela, voltava a inquietar as batidas do seu coração que sempre eram poucas. Queria dormir, nem precisava sonhar. Queria dormir e anestesiar a dor que sentia, nem que acordasse pior. Queria suas horas longe de tudo e de todos. Ouviu o pai xingando a mãe de “puta” enquanto chorava e apanhava tentando esconder a infelicidade da vida.
Fabiana só teve tempo de virar a cabeça no travesseiro de forma que seu rosto ficasse exatamente pela metade afundado no travesseiro, que era como ela gostava. Não cobriu o ouvido, decidiu conformar-se com a vida que teria. Pensou ter ouvido um gato na sua janela, mas desistiu. O calmante com a garrafa de vinho já fazia efeito e ela só precisou fazer uma pequena pressão nos olhos para que eles se fechassem e a levasse distante. Tão distante quanto não pudesse voltar nunca mais. Era sua fuga, um coma, triste e indeterminado.










“Frustração é uma emoção que ocorre nas situações onde algo obstrui de alcançar um objetivo pessoal. Quanto mais importante for o objetivo, maior será a frustração. É comparável à raiva.”






Ricardo Rother

não publicado


VOLUME III : CONTOS PARTE I

DIAS TÃO FRIOS

Eu nem sinto mais meus pés tocarem o chão gelado. Aqui, tudo parece frio de verdade, tudo tão incolor e frágil. Pra onde foi toda vida ? Pra onde foram os aromas? E o cheiro do café bem cedo, você sem camisa, eu ainda de meia. "Volta pra cama". Coloria meu dia inteiro, meus passos eram como saltos para um horizonte sem limites, sem malícias e de canções inesperadas. Viro a esquina e meus bolsos se enchem de alegria até a hora do jantar, é quando você chega, cansado. Joga tudo no sofá, não quer nem pão, nem água, não quer abraço. Quer um banho quente e um tempo na cama. Só pensando, nem dorme mais, fica horas me olhando sem dizer nada, querendo que eu entenda tudo num só olhar.
Não abre a boca nem pra me dar boa noite, se enrola no edredom, me deixa esperando uma despedida, que nunca vem.
Enquanto o tempo vai passando pra você, me perco na imensidão das voltas do relógio que judia de mim a cada segundo. Cada segundo sem nada pra ocupar meu coração vazio e as horas frágeis.
Dessa vez eu durmo só, dessa vez me entrego de vez a solidão. Nos braços de um outro, ou de um sofá sem vida.
Sem vida, já basta eu e sem vida, vou viver a minha.


Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 17/02/2009



A CONFISSÃO DE LEOPOLDO

Por dezessete anos, Leopoldo traçava o mesmo trajeto todo dia treze de agosto. Tinha nesse dia a obrigação de seguir uma rotina, e a própria obrigação tinha virado rotina. Acordava às seis horas, ou um pouco mais cedo. Acordava pouco antes do nascer do sol e o sol acordava com ele (de acordo com Leopoldo).
Ainda com os olhos embaçados, um pouco pelo sono e mais pela vista cansada, ele ia tateando seu criado-mudo em busca dos óculos, vez ou outra esbarrando num porta-retrato com uma foto de sua esposa. Acordava disposto e ao mesmo tempo cansado, pelas dores musculares e as que repousavam em seu coração. Tinha um coração forte e uns dois infartos lhe trouxeram um novo marca-passo e novas forças para continuar sua vida.
Olhava no espelho e via o reflexo de um homem triste com cabelos grisalhos que insistiam no branco como cor definitiva, mas não se sentia tão velho. Tinha dificuldade em se reconhecer no espelho e evitava falar durante esse momento. Tinha nessa experiência uma sensação estranha de desconhecimento próprio que logo nesta idade não lhe faria muito bem. Saía para a rua.
Leopoldo pegou o ônibus às oito e meia. O vento que vinha pela janela lhe trazia uma sensação de conforto, apesar do frio que sentia nas bochechas enrugadas. Desceu do ônibus no quarto ponto da avenida principal e esperou o semáforo abrir para atravessar a rua tranquilamente. Atravessou com certa lentidão e com a mesma cautela abriu lentamente o portão do cemitério como que pedisse licença para entrar.
"Três para baixo, duas à direita e uma à esquerda", repetia essas coodernadas num ritmo que lembrava um mantra e o fazia sussurrando, talvez para não acordar os outros que ali repousavam. Ele parou frente a um túmulo e pôde perceber um ramo de flores que não reconheceu. Alguém mais havia estado lá e isso não o perturbou. Pelo contrário, o deixou mais tranqüilo ao saber que tinha companhia em seu ato solitário. Ajoelhou-se e com a ponta dos dedos das mãos endurecidos pelo frio, sentia as inscrições na lápide: "Profundo é o poço do passado que alimenta as esperanças de um presente sem futuro" mas dessa vez, talvez a primeira, pôde sentir de verdade a frase. Com certo receio de admitir, invejava os que fazem do seu passado paisagem. Imaginava seu passado fugindo dali, enterrado e indo cada vez mais contra a luz do dia e dele mesmo. Encontrou somente sofrimento ao buscar vida naquele passado enterrado com lápide e tudo mais.
Aliviado e ao mesmo tempo amedrontado com a confissão que lhe viera a cabeça, não se reconheceu mais. Aquele não podia ser Leopoldo, não com aquelas palavras e o sentimento de repúdio à vida que tivera. Sentou-se ao chão e sentiu que ia desmaiar. Não era dia treze, e nem estava em um cemitério. Encontrava-se numa cadeira de balanço de um asilo sem lucidez para discutir consigo mesmo. Abriu a boca e engoliu as pílulas que a enfermeira trouxe. Poderia ser sua sobrinha, sua filha, sua esposa ou qualquer outra pessoa, mas não saberia dizer, não recordava-se de mais nada.
Mais um dia era visto sozinho em seu canto murmurando "Três para baixo, duas à direita e uma à esquerda, três para baixo ...".


Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 16/06/2009


ZÉ NINGUÉM

Quem quer ouvir a história do Zé Ninguém? Bem, como pode-se imaginar, José Carlos Ninguém Soares, brasileiro, nascido em 1960, hoje considerado apenas mais um brasileiro, continua com um sorriso no rosto e a carteira vazia (como muitos de nós).
A história de Zé inicia-se como a de muitos outros, no interior baiano. Era ainda pequeno quando ouvia seu pai, de 30 anos, batendo e xingando sua mãe, que na época tinha 14 anos. Ele então tapava os ouvidos e se enfiava embaixo da cama, gritava bem alto tentando afastar dali os pensamentos ruins e até mesmo a cena que via. Seu primeiro sonho, e ainda lembra, era ser piloto de avião. "Desses que agente vê na tevê fazendo pirueta" lembra Zé, num depoimento a um colega de trabalho.
Quando José não está trabalhando suas 10 horas diárias na portaria do Edifício Residencial Latoya Mars ou então num dos três ônibus que se espreme todos os dias para chegar em casa, ele está, na própria .. a casa! Que nao é a casa própria. José paga 500 reais de aluguel pela sala/quarto com banheiro e cozinha. Todo dia 10 ele desce as escadas para entregar o santo dinheiro ao proprietário do pequeno pedaço de tranquilidade de José. Poderia ser mais tranquilo, não fosse o barulho dos seus filhos brincando. José, brinca "esses meninos são minha alegria mas só me dão tristeza". É com esse jeito sincero e muito espontâneo que José luta todos os dias para manter-se de pé.
Essa é uma história comum, de um personagem comum. É brasileiro, se diz feliz. Não é um grande homem, mas também não se considera um homem baixo. José, vive um dia após o outro com a certeza que num desses dias vai encontrar a janela para sua felicidade. Muito além da janela que com os vidros quebrados também encontra-se emperrada. "Zé! Arruma esse troço hoje que eu já cansei de passar frio de madrugada!".

...

Que há com você, Zé? Não tem mais sorriso, não tem mais espaço pra ninguém nesse abraço? Tudo tão distante e Zé até parece pálido demais.
Ele que era tão moreno e castigado pelo sol, agora sente-se castigado pela vida, pela idade.
Zé, cansou de esperar? Zé, cansou de fingir sua alegria. Vai procurar vida num copo de bebida às 15h da tarde. Zé já esvaziou a poupança e muito antes já tinha o coração vazio. Abandonou os filhos, a família. Sua mulher chora, mais pelo safado covarde que a deixou do que pela ausência do fiel companheiro. As crianças, Zé! Estão falando palavrão, se metendo em cada roubada. Outro dia o menorzinho roubou uma velhinha na rua. A velha revidou e deu-lhe uma bolsada no olho. E o olho do menino, Zé. Está roxo, coitadinho. O menino tem raiva e não sabe de que. Mas você sabe muito bem, Zé. A raiva é de você. É como a raiva que você sente de si mesmo e desconta nas brigas de bar. Não é o dominó, Zé. É você mesmo. Acorda para a vida logo zé, senão ela te passa o pé e não adianta chorar, Zé. Seu bigode não esconde as puxadas de ar que dá de noite pra não escorrer uma lágrima desse olhão vermelho. Arruma essa vida logo, Zé, senão vai passar é frio na rua, sem ter onde cair duro ... e morto.


...

Zé Ninguém é tão José quanto ninguém. Se camuflando na multidão.
José, José Carlos Soares é alguém. Alguém que foi alguém menor, cresceu e virou um cidadão cheio de responsabilidades e não tinha responsabilidade nenhuma. Zé, Zé Ninguém e ninguém o chamava de José. Tinha um destino e desistiu. Desatinou a beber, se enfiou em cada burrada e agora tropeça sem sola no sapato. Ô José! Tão lhe chamando!
José, você tá preso, por não saber o que fazer da sua vida, José. Você está num beco sem saída e com vista pro inferno.
Zé! Você morreu ... e aí? Vai chorar agora, Zé? Vai fazer o que, José?

...

José Carlos Ninguém Soares, brasileiro, 49 anos, porteiro. Ganhou sozinho na loteria, ganhou R$30 milhões e nunca foi buscar o prêmio. Recebeu seu prêmio em casa mesmo. Dois tiros na nuca. Dívida? Jogo? Sabe lá no que andava metido. Esse é só mais um zé ninguém, joga no primeiro buraco que achar.
Adeus, Zé.
Adeus ninguém.

A Deus foi, Zé Ninguém procurar ajuda e o que encontrou foi um sorriso de brasileiro, um uniforme de porteiro.

"Zé! Acorda, dormindo em serviço de novo?"


Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 30/06/2009

VOLUME II : EM PROSA

CARTA DE AMOR PRA NINGUÉM ESPECIAL

Você sempre me pergunta que horas são querendo saber se eu já estou tão cheio de você quando espera.
Espera eu dormir pra colocar minha mão no seu colo, com medo que eu acorde e sinta algo diferente do que você sente. Está sempre me assustando pra eu ter certeza que estou vivo ou pra ter certeza que quero continuar assim, vivo.
Testa meu amor com todo tipo de jogo besta, sabe que meu amor é mais esperto que você mas ainda hesita em me dar um último beijo.
Não gosta de último beijo, ultimo beijo é antes da morte, enquanto isso a gente só ensaia e pratica.
E cada vez mais eu fico bom e gosto mais do pôr do sol laranja.
Uma música nunca me sai da cabeça, não lembro do nome, nem da letra, ela me lembra tanto nós dois, antes me lembrava algo triste. Eu nem sei se agora é diferente, mas me lembra você de um jeito ou de outro. Me lembra o cinto de oncinha e os lacinhos da sua cachorra. E o que mais eu posso querer?
Quero você pra uma eternidade e meia, a outra metade dou pra você ficar com a sua mãe. Não dou um anel de ouro, diamante, nada disso. Te dou meu coração de pingente, pra você usar por aí. Desfilar com ele, mostrar pra todos que eu sou seu, e que ele só bate se estiver perto de você. Já é dona de mim e das minhas vontades, só me resta esperar as horas passarem e te ver novamente. Um dia inteiro com você é muito, é pedir demais. O que faria num dia inteiro? 24 horas? De que valem 24horas se sorrio no primeiro segundo ao te ver, se é nessa hora que meu coração bate mais forte e desejo que dure pra sempre. Mesmo que dure, não vai ter graça, então quero você sempre algumas horas no meu dia, fazendo meu coração bater sempre, Pra que não fique na monotonia e na mesmisse.
Aparece por alguns minutos, ilumina meu dia, te dou um beijo e um telefonema.
Ainda temos 5 minutos, te amo sempre até amanhã.


Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 17/02/2009




DE PAPEL

Insistir num erro aparente. Que aparenta ser tão menos do que me diz. Perdi alguns sentidos, dei de presente ao meu sentimento. Meu coração de papel, de origami, molhado e inútil, sem valor em cima do armário.
Estou num filme cult, e que filme cult tem final feliz ?
Uma sobreposição de imagens em sequência, sobrando os papéis que me fazer ser eu mesmo. Eu, de papel e meu coração de origami, jogado fora. Não posso nem abrir e tirar de lá algumas boas lembranças.
Faço um novo origami, um novo coração, uma nova vida. Mas é sempre assim. joga-se fora e não leva nada do último. Que filme eu fui me meter? Um filme sem papel pra mim, fico na espera. E talvez a espera que mate. Na idéia de "quase", o que é quase, não é. O que é quase amor, nem amor foi. O que é quase meu papel, nem de papel é. Eu, meu papel e meu velho origami quase seco. Quantas faces borradas ele tem? Quantas histórias lhe sobraram lá no meio e quão difícil é se desapegar das lembranças e das faces que sobram em cada um!
A dúvida de um novo papel, por onde começar? Que tamanho ele teria? Seria menor que o anterior para que lhe coubessem cada vez menos sentimentos? Quanto menor o espaço entre esses sentimentos, mais completo ele fica. Mais completo e só. Sem espaço para novas experiências, fechado até que vire pedra.
Não quero um coração de pedra, quero um gigante, para caberem mais e mais vivências e ainda falta algo para protegê-lo das águas que insistem em molhá-lo sem chuvas e tempestades.
Vou desdobrando o meu velho papel, cuidadosamente, sem olhar o que tem dentro. A curiosidade é grande e o filme em que me encontro começa a se desenrolar.
Tenho um coração de papel, meu papel ainda não sei mas estou prester a entrar em cena. Quem define um filme nesses primeiros dez minutos? Prefiro ficar até o defecho, um papel ainda está por vir. Ainda que não seja um papel novo, grande e cheio de cor.
O meu papel e meu origami ainda estão aqui.


Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 20/04/2009



AMARELO

Eu quero o amarelo, quero o amarelo de novo. Quero viver um dia depois do outro, e seguir desta forma pensando sempre no amarelo do dia seguinte. Quero ver a luz no fim do tunel, quero a passagem, quero tudo com amarelo no fim. Meu mundo amarelo por vir, calmo, seguro e fiel amarelo sempre.
Quero filmes em preto e branco, quero o preto, o branco e sempre o amarelo junto. Quero comigo e levar pra sempre no bolso meu querido amarelo. Acordar de manhã e sentir o aroma de um novo dia azul, quero o azul sobre mim sempre, quero o azul para acalmar todos os momentos muito amarelos ou pretos. Quero um arco iris todo amarelo e preto, ligado no 220 e com sobras de empolgação do fim de semana.
Quero sol e chuva, mas tudo amarelo. Quero as emoções de volta, quero de volta tudo do antigo amarelo, pra colorir mais ainda minha noite cinzenta. Quero o cinza.
Mas o amarelo vem sempre em primeiro.


Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 17/02/2009

VOLUME I : POEMAS PARTE IV

O VELHO

Já faz tanto tempo
Eu nem me lembro
o que senti
Eu até tento
Nem sei como te conheci

A gente deixa tanta coisa de lado
Nem sabe se ainda é amado
E vive só pela companhia
Só esperando passar o dia

E sobra tanto afeto no vão
Que se forma entre nós dois
Nem sei como anda meu coração
Depois do ouro e do diamante

Nem amante, nem nada, falta
Um abraço, um afago, um afeto
Falta voce aqui perto, e sua mão

Nem sei mais se sinto, e me sento
Na ausência do amor, restou o eco
E na calmaria, me desespero

Me diz como há de se viver
Sem sentir, sem tocar, sem ver
Sobra tanto espaço, sem seu abraço

Agora me resta a calma
Me sobra mobília
Me falta o Amor

E eu que nunca pensei
Eu esqueci se te amei
Me esqueci da tua partida

Ainda que tua falta é sentida
Eu que nem sei mais se te amo
Choro e penso que te chamo

Tudo velho, tudo sem vida
Queria voltar no tempo
Tentar chorar sua despedida
Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 17/12/2008



ÚLTIMA CARTA DE AMOR (DESPEDIDA)

Uma nova carta de amor
Um relato tão profundo
Tão doce aquele perfume
Que escorre por este som

Nossa canção nem mais ecoa
Entoa em nossos corações
Por tanto tempo tentando ser
Ecos de nossas frustrações

Tão esperançosas aquelas palavras
Profundas, tocavam o céu
Suavemente se entregando a mim
Teus gestos cor-de-mel

Abundância de sentimentos
Mais doces que um beija-flor
Eu vi, tentando escapar
O último beijo sem sabor

Vendo as nuvens ao aproximar-me
Ceguei meu grito de embriaguez
Dizendo bobagens, tão mesquinhas
Fez-se o tapa que não me deu

Versos novos, emocionados
Já esquecidos, por quem nem mais leu
Se fez o fim, cantando a noite
A alegria que me escondeu

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 27/06/2008


O PEDIDO

Mesmo com demora
E as ressalvas
fica indignado!

Esperado
Ainda prende
o olhar

Ali, atento
Quase nem tempo
Tem pra contar

Ja imaginando
a moça de véu
à beira do altar
da capela requintada

E ao ser Questionada
Se sim ou não
Como não tivesse
outra opção

Não esboça surpresa
Tão pouco o rapaz

De joelhos sob a mesa
Se declara

[E o lugar todo pára]

Agora sem jeito
Ao fazer seu pedido
O rapaz, arrependido
Ao ouvir
-Não aceito.

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 18/12/2008


NA AREIA

Se entregou ao meu violão
Beijou as notas, melodia
Me deu seu coração
E pra sempre canto uma novidade

Um pouco de paz, por favor
Uma água com gelo e sem gás
No calor pra se refrescar

Eu lá na areia
Você a falar besteira
E te amando até me encher

Na areia eu queria ficar
Dormir juntinho com você até cedo
Sentir a brisa ver o sol raiar
Numa caixinha relembrar esse momento

Posso fechar os olhos
Sem ar, sentir, sem olhar
E o vento me apalpa levemente

Eu sorria, lá na beira
Você só me dando canseira
Te amei de relance, de repente

Na saída, na sala, na ida
Me vem uma vontade
De ser feliz sem você
[Novamente
É tarde, vieram as ondas
Te trazer de novo à minha mente

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 06/01/2009


ME ENTERRAR



Se perdi o desejo de viver
Só porque quero sair daqui
Estão loucos, não sabem o que falam
E não é surpresa nenhuma pra mim

Pois se penso em ir embora
Não sou eu, são eles mesmo
Mas vou embora, vou sim
Vou pro campo, me enterrar

E da vida, vou dar um tempo
Do tempo, dinheiro e angústia
Viver do campo, colheita e da música
E escrever minha história no chão

Viver num eterno perdão
Por todo o mal que me fizeram
Me erguer na árvore
Não na multidão

E sob o sol, me refrescar
Com o calor somente das palavras
Que estarão enterradas comigo
E ninguém nunca vai encontrar

Ricardo Rother
não publicado



A VELHA E O BURRO

É você que sempre traz tanto desgosto
Faz de mim teu célebre encosto
Servo, tantas vezes reprimido
Fala, faz, se faz de amigo

Mas sempre traz agrados
Pra curar esses maltratos
Se esquece do castigo
Esquece que é inimigo

Vou levando essa vida assim
Carregando tanto peso em mim
Pensa que sou burro, coitado
Quem agora está sendo castigado?

Veja os maltratos que lhe faz a idade
Dóem-lhe as pernas até os pés
Agora dá até uma saudade
Do burro que andava de ré.

Ricardo Rother
não publicado



ME DIVIDE MAS NÃO SEPARA

Separa de mim o que é poesia
E o que é loucura

Me diz como faz tal heresia
Separa o homem do ar
Tira o peixe do mar

Ah se fosse tão simples assim

Quanto mais vivo, mais escrevo
Se escrevo pouco, fico louco
Se não escrevo, daí eu morro

Me ajuda a entender a loucura
Ou controlar minha poesia
Todos os versos que vêm com fúria

Ajuda-me a entender
Como a vida é dura

Ricardo Rother
não publicado



ENTRE PARÊNTESES

Tudo acontece meio entre parênteses
A gente fica em dúvida e até com medo
Eu esqueço da dor
E que o nosso amor é segredo

Ricardo Rother
não publicado



INCOMPREENDIDO

Até entendo o incompreendido
Mas o incompreensível é que não
Se quisesses ser entendido
Ah, entenderia a si mesmo então

Meu ódio pelas pessoas não é declarado
E se declamo meus poemas assim
É que com essa raiva pela humanidade
Mascaro a raiva que tenho por mim

Não me leve a mal, sei como é
Sentir-se desprezado e vazio
É como encaro minha vida
Se quer, quer, se não
tenho quem quiser

Não deveria pensar assim , eu sei
Mas daqui tudo é negro e catastrófico
E não espero que tenha dó de mim
Mas entenda um dia porque sou assim

Ricardo Rother
não publicado



INSPIRAÇÃO NUMA NOITE DE DOMINGO

As vezes, acordo de noite
Meio perdido, meio dormindo
Acordo irritado, meio atordoado
Me rolo de um lado e vou para o outro
E fico ali suando o colchão

É que nessas noites, acordo sonhando
Um meio sonâmbulo, perambulando
Acordo perdido, já pego o papel
Agarro a caneta, pois sei que agora
Veio a inspiração

E sinto uma mão bem ao meu lado
Não fico assustado, permaneço calado
Um pouco afobado, mas é porque tenho
Tanta coisa pra escrever, que se perde no ar

Vou caçando pensamento, esvaziando a cabeça
Em cima da mesa, respousa o coração
E a noite vai indo, assim, sem hora
Mas vê se não demora
Que a manhã já está aí

E de novo eu acordo, querendo dormir
E eu durmo de novo, começo a ouvir
Lá vem a música, que vem me acordar
Pergunto a mim mesmo, se isso vai parar
E tiro um cochilo, e vira apagão

Começa a gritaria, é mais outro dia
E dia de branco, e você tá folgando
O inferno da semana, o fim da alegria
Me arrasto até a porta, agarro uma faca
Quem sabe um dia, ela muda de direção
Mas hoje tem vida, corto meu pão

Ricardo Rother
não publicado


CAMINHO DA LUZ

Essa farsa parece não ter fim
Esse descontentamento por tudo
E tudo parece se virar contra mim
Num mundo onde tudo é ilusão
As vezes acordo e vivo o sonho
Toda essa forma de depressão
O que me motiva, o que me mantém são
É o que tira a realidade a qual me oponho
Sentindo-me um rebelde em meio ao caos
Ver a moral se afogando no arco-íris
Uma última esperança de satifação
São só frases de efeito, mórbidas por dizer
É um cômodo recheado de restos de cinzas
Uma conexão com o passado e o atual
O que é bem comum, para mim é o mal
E o desprezível é muito lamentável agora
Desprender-se de toda forma de vícios
Ser novamente um ser incontrolável e racional
E olhos virarão luz e a boca um leve vento matinal
A brisa vai passando e são somente sussuros
O avanço e o progresso induzem uma corrente
De regressão e desaprendizagem de valores capitais
O que é fruto do antônimio real ?
E o que faremos aqui, senão fingir
Enquanto minimos grãos de matéria podre me controlam
Não sou nada mais que o oposto de minha existência
O desejo incontínuo da busca pela mutação
É o que me define enquanto ser material e animal
Meus desejos são parte do progresso existente no mundo
E o que antes me definia como pessoa
Agora não passa de um quadro irracional e progressivo
Onde a busca pelo prazer me fez achar o que está morto
A ambição, cobiça e tantas outras qualidades(defeitos)
Foram frutos dos próprios pensamentos, mas não das mentes
E sim dos instintos materialistas que velhos rostos impuseram
Nada mais me resta senão a procura pelo desejo supérfulo
E todas as verdades já contestestadas
São esquecidas e dão lugar a preocupações mundanas
Ser e ter, esquecer e saber, tudo vale apenas para si
E ao próximo, uma incapacidade de tolerar seu destino

Ricardo Rother
não publicado




É PENSAMENTO

Um outro pensamento que sai quente
Saiu fervendo, nem dá pra modelar
Mas não saiu pronto, saiu em prantos

Saiu pensando que era Deus
Caiu no chão, ficou a chorar
Pensou muito e morreu, como tantos

Segura firme, lá vem outro
Vem correndo, não vai parar
Bateu de cara na parede
Meu superego, e essa mania de não frear

Mas dessa vez não me escapa
Que vem um bom, esse é natural
Mas não é humano, então deixa
Larga esse, que esse não faz mal

Ah!Pensamento bonito, inteligente também
Distribui sorrisos, ascena ao povo
Quer dinheiro no bolso, conheço muito bem
Seu bolso é fundo, mata enquanto é novo

E que pensamento então há de vingar
Que idéia maluca nasce, e se põe no seu lugar
Qual delas, nasce cresce e se reproduz
Qual delas segue a luz, e respira o ar

floresce aos poucos, e abelhas faz atrair
Do seu corpo produzem um amor, meio mel
Que acalma toda uma colméia, sempre a zumbir
Passa a vida, só vivendo e olhando para o céu

Ricardo rother
não publicado



AGRADECIMENTO

Um soldado indo pra guerra
Despedindo-se de sua amada
Pela ultima vez, beijo a terra
Aquela q um dia estará enterrada

Jurei que foi a ultima tentativa
Mas não, de novo, não foi dessa vez
Mesmo depois de tudo o que vc fez
Vi que que tudo tem uma saida

E antes de partir e dizer adeus
Quero lhe dizer algumas palavras
Palavras que significam momentos
Momentos que em minha vida agradecerei a deus

Por ter conhecido você
Por me dar intimidade
Por te conhecer como ninguém
Por fazer de um jeito, que nunca vou esquecer

Por todas as palavras sem sentido
Por todas as lágrimas que chorarei
Por todos os senitmentos destruidos
Por todos aqueles que amarei

Agradeço, a você
Somente a você
Minha estrela, minha inspiração
Você ofusca minha mente, me sugere a confusão

Aquela que me amou
Aquela q eu sempre chorarei
Aquela que mais me apoiou
Aquela que jamais esquecerei

Ricardo Rother
não publicado



AMANTE

Se eu quisesse
Por um só instante
Ser teu amante

Ser teu sol
Ser teu amor
E você meu mar
Te amar
De corpo e alma

Perfeito e com calma
Não desgrudar tua palma
Sentindo teu calor
Deliciando-me com teu sabor

Vendo o pôr-do-sol
Iluminando a tua beleza
E em mim, há certeza
Que será o meu farol

E a luz que tinha
Se ofuscou, sumiu
Nao é nem mais minha
Meu amor também, fugiu

O nosso romance
Agora naufragou
Pois só de relance
O Cupido acertou

Ricardo Rother
não publicado



AS PALAVRAS

Eu sou
Amante das palavras
ditas
Mais ainda
das deixadas ao vento
Que mais lindas
pois são só sentimento

Também nunca lidas

São virgens, imaculadas
São como estrelas
só supostas

São como estrelas
jamais tocadas

São como estrelas
Imaginadas

Ricardo Rother
não publicado


CORAÇÃO CANSADO

Lar é onde o coração repousa
Mas esse coração, cansado
Coitado!
Nem lar, nem repouso tem

É dor, de dias, de meses
Cheio já
De ser partido
Parte em busca
De outro lar

Quem sabe
Lá até seja feliz
Dê um descanso ao coitado
Que há tanto tempo
Já infeliz

Nem bate mais
mal respira
Asfixiado
Enfim

Desmaia

Ricardo Rother
não publicado


MEU CIÚME

Meu ciúme passou aqui
Te deixou um recado
Disse que tem pecado
Toda vez que pensa em ti

Mas não quer mais chorar
Nem pensar em você
Por isso foi desabafar
E resolveu escrever

Escreveu então essa carta
Agora não mais arrependido
E quem sabe você parta
E deixa em paz meu coração partido

Esse ciúme já cansou
De tanto te querer
Mas agora já passou
Foi embora, foi crescer

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 14/01/2009



MUITO APAIXONADO

Eu te conheço aos pedaços
Poucos pontos incompletos
Os pecados, os medos
Acasos que a modelam

De passos aveludados profundos
Contempla sua graça, seu ar

Imagino assim imperfeita
Com tantas falhas apaixonantes
Seu orgulho inconfundível
Seus amantes imaginários

Sua perfeição em retalhos
Espalhados pelo chão
Doçura de minha alma
Seus rodeios bem matinais

Anoitece bem lentamente
Com a lua o olhar inunda
Enche de sede minha boca

Num abraço
um encaixe a dois
Levo adiante
Deixa o amor a sós

Leva de mim sussurros
Toma um gole de café

Entrega ao meu peito inquieto
Suas mãos de artista
Me devora e enterra
Seu carinho e meu afeto

Ricardo Rother
não publicado



OUTRA VEZ

Coração apaixonado
Grito enlouquecido
Que bonito estar amando
Não se sentir mais tão perdido

De repente vem o pior
Não existe dor maior
Paixão não correspondida
Existe dor mais doída?

O coração parece sábio
Mas cai em cada cilada
Agente fecha os olhos e vai
E depois toma cada porrada

Na próxima acha que é esperto
Abre bem o olho e confia
O coração mais esperto te engana

E dessa vez vai chegando mais perto
Com muita cautela, como no xadrez
E quem sabe não é numa dessas

Que meu coração se perde outra vez

Ricardo Rother
não publicado

VOLUME I : POEMAS PARTE III

EM PAZ NO MEU LUGAR

Estar aqui sem querer
Existindo pelo prazer
Um passado, lá atrás

Deixa a saudade

Minha única vontade
É viver mais um dia
Procurando uma dose de alegria
Num sorriso mais gentil

Acordo num tempo mágico
E até o céu me sorri

Lá fora, na varanda
Tanto sorriso ainda por vir

O canteiro das flores celebra
Mais um dia que vivi.

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 08/03/2009



DESCOBRI

Finjo, na tristeza que vivo
Minha alegria covarde

Que alegria eu tive
Ao descobrir nessa tristeza

A minha arte!
Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 15/11/2008


CANÇÃO DA VIDA

Mas se essa vida é tão boa
Eu quero aproveitar
Não quero ficar à toa
Vendo a vida passar

Eu quero passear
Quero ver o mar
Quero me distrair

Eu quero rir
Também quero cantar
A beleza da vida

E não ter nada
Com o que me preocupar
Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 18/11/2008



ESTAMPADO AMOR

Vamos celebrar tudo
O tudo que é hoje
O coração cheio de alegria
A alegria de amar e viver

O sorriso estampado aqui
Este é verdadeiro
Assim como estes versos
Versos estes exintos

Nesta nuvem de aromas
Me descobri apaixonado
Mas paixão é passageira
E eu não sou passageiro não

O amor não se borda
Se estampa, não estanca
É muito pra viver agora
E muito pra viver ontem
É demais pra viver além de hoje

E amanhã eternamente pra sempre

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 04/11/2007



De tantas formas eu tentei
Tentei fazer a obra perfeita
E desde que comecei, pensei
Como a Monalisa foi feita

Foram alguns dias, semanas ou nem
Talvez poucas horas, não sei
Da Vinci tentou, Camões também
Eu sou humano, e tentarei

Começo dizendo o que você fez
Você me esqueceu, me torturou
Deu pra ver logo no primeiro mês
Que você não ia me dar valor

Malditos versos, essa merda toda
Me confunde, me aflige, me tortura
Agora eu mudei, mesmo sem querer
Acabou a rima, que se foda


Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 04/11/2007


EXPLOSÃO!

*Bum!
Explosão de amor
Vermelhidão cega a iris
Paixão grita meu nome
Você geme meu coração
Nao falo tanto de amor
Nao tanto quanto gostaria

Mas é que sou assim
Sou timido, sou colecionador
Coleciono derrotas, decepções
Meu amor, é mesmo só meu
E ninguem mais pode saber

E se quiser me ligar
Me liga
E se nao quiser
Some, vai.

Desaparece

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 08/11/2007



É FEITIÇO

Não se engane
Não
Não se iluda

É paixão
é passageira
Dessa vez é passageira

Olhando pro céu
Cheio de estrelas
Esse feitiço
Claramente feitiço

Confunde muito
Apagando tudo

É passageiro
É confortante

É feitiço
É solidão

É um segundo
Só de paixão
Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 27/06/2008



OUTRO POEMA DE AMOR

Lá vem eles
Cheio de cor
Versos sensíveis
Cheios de amor

Outra ilusão
Outra alegria
Outro descontamento
Uma nova agonia

Mais uma vez
Tentando me abrir
Enganando o coração
Tentando sorrir

Bem facilmente
Saudade à tona
Olhares distantes
E o outro mente

Mais uma vez
Estou condenado
Em pouco tempo
Eu,

inconsolado

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 27/06/2008


SINTO

Sinto em dizer
Mas é saudade
Saudade de você

Sinto saudade
Mas é tristeza
Tristeza em te ver

Sinto tristeza
Mas é coragem
Que me falta pra falar

Sinto medo
Mas é só medo
De sentir coragem pra falar

Falar que é saudade
Da minha vontade louca
Essa vontade louca de te amar

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 03/07/2008


ME AMA (ENQUANTO ISSO DURA)

Que sentimento mais gostoso
Um olhar meramente apaixonado
Confunde todos os sentidos
Encantamento a dois, que maravilhoso!

Faz-me duvidar da vida
Acreditar em milagres
E que milagre é você
Que milagre somos nós

Se o mundo gira, não quero descer
Aproveitar a corrida
Só pra dizer, que te espero lá embaixo
Você é o amor da minha vida!

Agora, nem que seja só agora
Mas seja minha, não seja breve
Seja eterna o quanto puder
E depois me liga, me liga

Vem, vamos com calma
Temos todo o tempo do mundo
Mas larga daquele canalha
Senão não acordo desse sonho
Não
Não acordo

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 07/07/2008


VEM

Me olha lá distante
Me diz o teu segredo
Vem falar, do seu amor
Do que tem medo

Vejo promessas
Lá no fim do caminho
Esse seu sorriso
Dúvida, que dúvida

Mas ainda sim,
Vem mansinho
Vem devagar
Vem sorrindo pra mim

E no seu diário
Voce vai escrever
É ele, sei que é
É ele que eu vou convencer

Então não demora
Vem
Que a hora é agora
É a hora certa
Hora de se apaixonar

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 08/07/2008



NÃO PASSA

É a fumaça saindo pela janela
Levando toda saudade embora
E o seu cheiro ainda no ar
Me mata logo, me tira daqui

Não faz essa cara
Essa cara de quem ainda me ama
Porque não ama, não
Ninguém ama, ninguém pode

Meu coração dividido
Entre agonia e desespero
Que dúvida cruel
Me tira desse poço sem fundo

Não dá mais, não espero
É um dia, um mês, ou nove
Um novo dia, um dia que passa
E passa sem você passar

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 22/09/2008


DIA VINTE E CINCO

Todo dia vinte e cinco
É a mesma tristeza
É aquela incerteza

Se o dia vai passar
Ou até mesmo a dor
Mais um dia, sem meu amor

De novo dia vinte e cinco
Mais vinte razões pra te odiar
Mesmo com elas decoradas
Fica difícil não te amar

Vai, desfaz o feitiço
A mágica, ou o que me prendeu
Tira de mim essa idéia
Essa idéia rídicula que sou teu

Não quero mais teu corpo
Nem as razões que você tinha
Não quero mais ouvir teu nome
Nem pensar que você ainda é minha

Chega de pedir desculpas
Me inconformar com teu adeus
Justificando seus malditos erros
Dizendo que eles são meus

vinte e cinco versos.
Todo dia sem respirar, todo dia
Infinitas razões pra te amar.

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 22/09/2008



VOAR

Tudo que possuía, agora
Vai tomando sua forma
Indo embora, assim sem menos
Como se nunca tivesse sido
Meu

Nada acontece por acaso
Eu sei, e agora pela primeira vez
Deixado ao acaso, sem descaso
Serei eu, serei só meu

Me sentindo só, triste
Sentindo-me levemente sóbrio
Buscando novos caminhos
Agora sou livre pra voar novamente

E tudo que um dia possuí,
Se um dia quiser voltar
Que volte, como for, agora
Não faz mais diferença

Agora sou meu, não sei
Se já fui de alguém
Senão meu mesmo, eu mesmo
Me sinto assim

Me sinto livre
E agora vou voar

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 05/10/2008


A DESPEDIDA (DELA)

E de repente, tudo que conhecia
Tudo que tinha, e não tinha mesmo
Acabou, ruiu, restando apenas saudade
E que saudade é essa afinal?

Você me deixou na mão, e como
Confiar na tua mão, se essa nunca
Me deu, tanta tristeza no meu olhar
Entorpecido pela perda que tanto quis

E me deixou aqui pra dar importância
A algo que jamais entendera, assim
vai embora logo e tento esquecer
Que um dia quis ser o seu bem-querer

Passei tanto tempo ao teu lado,
Pra entender que depois de tanto tempo
Não tem importancia, e nunca fui
Aquilo que me fez acreditar, tua vida

De que vale chorar tua partida
Esperar que o tempo apague teu rastro
Como se não fosse nada, foste
Meu aprendizado, e tenho carinho por ti

Mas seguirei meu caminho, enquanto
Te esqueço e me despeço de nós dois
Com as palavras que nunca me disse
Eu te amo, hoje.
Domingo

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 05/10/2008



VAI PASSAR (O FIM)

Como estava não seria mais
Um momento único e teve seu fim
Fora as palavras, as brigas e as fotos
Fico grato pelo que fez por mim

E agora ganho somente um descaso
Nem mais abraço, é triste assim
Ver voce se desfazendo, tirando esse fardo
Me afastastando de ti, só pra ver o fim

Ver teu rosto chorando, lamentando nós dois
Está tudo acabado, inclusive o amor
Obrigado por tudo, até pela dor
Cresci ao teu lado, hoje sou bem melhor

Chegou a hora
Nosso amor desgastado vira silêncio
Que antes calado começa a soluçar

Acaba logo, guarde tuas palavras
Por mais que nao sejas capaz de falar
Te amo, mas ainda vai passar.

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 06/10/2008



MOÇA DA JANELA

É por essa janela que ela vê tudo
Vê o mundo, mas não o toca
Vê prédio, casa, vê maloca

Mas não vê desta janela
Que eu passo e olho fundo
E olho sempre nos olhos dela

Esse sorriso é maior que o mundo
Maior que o meu, o meu sorriso é ela
Que moça linda, que a luz revela

Que moça é essa, que tem nome de flor
E todo dia abre, pétala por pétala
De noite se fecha e me faz sonhador

Essa moça tem uma beleza ainda
É linda, é díficil de esquecer
Eu fico de joelhos, rainha
Porque todo dia sonho com você

Eu fico sempre esperando, esperando
Largado embaixo do sol, sem jeito
Eu fico contido, me desesperando
E essa luz faz eclipse no meu peito

Chega a noite eu nem vejo a hora
Mesmo que a sombra vá embora
A noite não me assombra, não

Daí espero um outro dia
Ver o sol nascer, em harmonia
Doce donzela, me palpita o coração

Eu espero ela sorrir
Pra eu poder me abrir
E o sol na sua janela entrar

E no dia que ela se for,
nem sol, nem flor
[Nem janela
Ah, vou sentir a falta dela
E nada
Nada vai me alegrar

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 27/11/2008



DO DIA EM QUE MEU CORAÇÃO SE QUEBROU

Estou escrevendo esta carta
Esse amontoado de pensamentos
Pra tirar de mim esse peso
Essa dor, esse fardo que carrego

Meus dias tem sido noites
Sonhos são pesadelos
E meus pesadelos nem queira saber

Queria abrir os olhos
Ver você ao meu lado
Esperar o dia amanhecer

Agradecer por você
dormir de noite tranquilo
Sabendo que o meu coração
É onde você realmente está

Não ficar vagando de lá pra cá
Esperando a hora de esbarrar com você
Deixar cair meu coração
Esperando você recolher

Recolher os pedaços
Relembrar dos abraços
Agora são só passado
Memórias de um coração arrasado

E não importa o quanto ajoelhe
O quanto peça pra voltar
Sei que nada vai mudar
A não ser que o coração te aconselhe

Sou só parte do passado
Que pra você está desfigurado
Talvez deseje que estivesse enterrado
Pra não ter mais olhos para sua antiga paixão

Nesse tempo, não esqueci o que é o amor
Vagando sozinho, me sentindo perdido
Mas é que me trouxe tanta dor
Aquela canção não tem o mesmo sentido

E estaria aqui pra sempre
Estaria aqui para tudo
Até que um dos dois ficou surdo
E o outro tornou-se mudo

cada minuto sem você
É espera, uma vida torturada
É sonhar em poder ter tudo
E ao mesmo tempo não ter nada

É tentar entender que a vida é dura
E com você passaria num instante
Algum dia talvez se lembre como é pura
Aquela lágrima pra mim, tão degradante

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 13/12/2008


NO ESCURO

Teu muro
Meu mundo

Há fortaleza

E tudo puro
no claro

sem canto
[no entanto
não paro
mas vejo
nosso escuro
e no teu beijo

Há Beleza!

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 15/12/2008


AOS CUIDADOS

Sei que assim não fica fácil
Ora é descaso, de repente me sorri
Mas enquanto eu me viro
Te vejo da esquina
Penso no que eu (me) perdi

Falar é muito mais
Difícil é esquecer de agir

Não me deixe esperando
Que o meu desespero não hesita
Eu me despedaço a lhe pedir
Mais um pecado e nada mais

Tenho tanta coisa pra falar
Vou guardando tudo pra depois
Tudo se perde num só abraço

Aí eu penso em fazer um laço
Num só nó entre nós dois


Só não penso em desamarrar

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 16/04/2009



DO VENTO

Não, não se deixe levar pelo vento
O vento é só vento
Um suspiro ou acalento
Traz consigo muito mais

Se até a calmaria desperta
A falta de ar também faz sofrer
O que é a distância pra um olhar
Enquanto o outro fica a esperar

Seus medos são os meus ainda
E mesmo que seja em segredo
Não há porque se enganar

Se seu medo é tão cruel assim
Que seja meu medo também
Numa noite tão cheia de vultos
Essa sua ausência me assusta mais

Quem quer esse vento pra si então?
Esse vento engana tanto
Traz o medo, o abraço e o suspiro

Meu suspiro é sincero e real
Maior que o medo de insistir
Não é o primeiro nem o último
E nem vento, nem medo
Afastarão os dias por vir

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 20/04/2009



PENSA EM MIM

Chegou
de brincadeira
Começou
de qualquer maneira

Foi assim
que eu me perdi

Nos teus braços
Teus encantos

E é tanto
Pra me decidir

Pensa em mim
Não penso em partir

E ao te ver
Saudade vai

.. se distrair

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 14/05/2009



SEMEOU

Se ..
Semeou
Tanto que sou
Meu eclipse
Abençoou

E fui ..
La -laiá- pidar
O nosso canto
Imortalizar

Dos teus versos
Nasceu um trato
Com nosso tato
Esmeralda .. ficou

Então vem
Fica comigo
Sou teu amigo
Sou o teu bem

Abre ..
A janela e deixa
A luz .. entrar
Deixa de graça
Sai dessa casa
Deixa a poeira levantar
Nosso amor virou samba
Vem dançar

Meu amor ..
Juro que sou
Sou jardineiro, amante
escritor ..
Faço verso com cheiro
e cara de flor
Acordei para a vida
Hoje juro
que sou ..

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 29/06/2009

LEMBRA

Que será que me diz
Desse amor riscado de giz
Fala tanto de mim e quis
Tão maduro quanto podia ser

Vem falar que amanheci novo
Tenho uma canção meio torta
É da porta pra fora
Numa reta, um segmento só

Um abraço ora amigo, ora aflito
Me dando esse olhar amargo
Dá seu passo mais largo
E a distância lhe cai bem

Nesse ritmo introvertido
De conflitos sinuosos
Quanto mais dói se dosa
No riso tem um choro contido

Um dia volta e respira
Foge das caixas de terapias
Lembra, ali foi feliz
Lembra
por um triz

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 22/06/2009

DESPEDIDAZINHA

Nossa desconversa
Vai diminuindo
O afeto
O laço
A fé

Sem amor, de perto
Sem abraço
Vai sumindo
Vou indo
A pé

Vou descalço
Vou em paz
vou sozinho
um choro, não

chorinho

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 18/12/2008


APAGANDO-ME

Se eu apagar meu passado
Apagarei com ele meus erros?
Se apagar meus passos
Apagarei quem sou hoje?

A chuva vem arrastando tudo
Vem trazendo logo à tona
Todas as tranqueiras enterradas
Todas as derrotas entaladas

Vem e traz minhas fotos
Dos momentos que quis guardar
Mas que mesmo la atrás
Foram os mesmos que quis apagar

Se eu apagar minhas glórias
Ainda sou um vencedor?
Esconderia toda a sujeira
Se pintasse tudo de outra cor?

E aquele último beijo
Que o tempo insiste em afastar
Pernas trêmulas, sorriso triste
Enquanto ia, vi você me apagar

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 20/09/2008



NÃO OLHA PRA TRÁS

Se confia
Fecha os olhos
Vai a luta
A luta não aguarda
Não fica na janela
Nem espera o sol raiar

Se agora é a hora
Não espera a demora
Nem mesmo o acaso
Vai, larga o que te atrasa
Encara teu fardo

Não olha pra trás

E com o amor
O que é que faz?
Fecha a ferida
Mantém a cabeça erguida

Não olha pra trás

Desfaço das memórias
das musicas e poemas
Das cartas rasgadas
das noites em claro

O sufoco que traz
Deixa de lado
Fecha essa porta

Não olha pra trás

Talvez num tempo
Bem distante os meses
Lembra dela às vezes
Mas não esquece

O que planta, floresce
Num jardim, pousa a dor
Uma árvore lá cresce
Traz seu cheiro numa flor

Seu cheiro dá saudade
Seu beijo é vontade
Seu amor me faz mal

Te querer como sempre
É dificil ter paz
Mas fechei essa porta

Não olho pra trás

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 26/01/2009

AMOR PASSOU

Se a gente se parece, não lembro
E nem fui eu quem começou
Daquela vez nem faltava assunto
Éramos sós, nós e o mundo

Mas veio o tempo
Tudo ficou lento
Faz falta nossa conversa
Um papo cabeça, TV sem pressa
Quebra-cabeça velho, falta peça

O cheiro é sempre o mesmo
Você vem e eu nem beijo
Alma gêmea, cara metade
Românticos!
Amor para Eternidade?

Não existe Amor de verdade
Existe trabalho, força de vontade

Atração é passageira
Amor vem de carona
Na hora certa, vem à tona
Rouba os olhos de brincadeira

Passam os anos, passa a paixão
Com os anos, nem mais coração
Sem os beijos, sem os abraços

Foi-se o Amor
Desfez-se o laço...

Ricardo Rother
Publicado no Recanto das Letras em 20/04/2009