4.22.2015
TEXTO 104 : UMA SENSAÇÃO NO ESPELHO
UMA CANÇÃO DE AMOR COMO ESTA
começo os dias
querendo arrancar
de mim uma canção
de amor
tudo o que tenho
são frações de
desamparo
um sentimento
imundo que
a noite deveria
ter engolido
mas que reaparece
seco no dia seguinte
o ar quente que
vem pelas janelas
dá náuseas
toma conta do
meu corpo
ele se entranha
nos meus lábios
tem um gosto de
sal
embora o mar
seja para mim
um velho amigo
com o qual
não tenho mais
tanta afinidade
mas afeto
é estranho
perceber que
os dias tem durações
continuamente desen-
contradas
como as frequencias
distortidas do piano
uma ilusão
ou alucinação
a principio achei
que era estranho
perceber a verdade
mas agora
o que me estranha
mesmo é a passividade
com a qual encaro
estes desconfortos
esse sacolejar em
terra firme
a ressaca úmida
o meu nome
o meu nome ainda
continua sendo repetido
junto dele outros
números, conjuntos
coisas do trabalho
a sensação é de
ser impassivel
às desvirtudes da vida
quando me lembro
do vento seco das
árvores e das coisas
áridas do coração
sinto que somos dois
um que ficou em terra
outro que partiu ao mar
não nos conhecemos
não sentimos nada um pelo
outro,
somos dois corpos
vagando esse imenso chão
então porque travo-me
diante do espelho?
não faço a barba
não me interesso por higiene
faço tudo que me dá vontade
e isso não é nada
encaro o homem torto
à minha frente
repito seu nome em segredo
minha desgraça
não falamos a mesma língua
não temos os mesmos gostos
nada nos foi dado
eu nas minhas manhãs
ele em suas tenebrosas noites
canta, escreve, golpeia
e eu inerte, distante
sonambulo, apaixonado
é estranho dizer
e não digo
mas algumas manhãs
tenho que arrancar
canções de amor como
esta
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