Minha foto
cartógrafo de letras, sensações e pássaros

12.12.2010

TEXTO XIX : UM DILEMA ENSAIADO

Foi numa tarde como estas tantas, à beira de um rio pouco diferente, um pouco turvo pela chuva de outras tardes como esta, e caía desesperadamente para asfixiar um dilema que se dissolveu no tempo.
Não.
Foi numa tarde única, delicada como vestido de debutante, passada à vapor e com a cautela de olhar de mãe procurando por manchas, foi assim, quase ensaiada e logo na estréia desabou.
Foi um deslize, uma tarde turva, como as lembranças de debutante, afastando dos olhos e dos sonhos o tempo asfixiante de um rio único.
Foi.
Um dilema delicado, como os botões do general, passados com cautela pela esposa desnuda, procurando no corpo acinturado, hermeticamente esticado, uma mancha do passado turvo.
Foi numa festa de gala, com o vestido arreganhado, as pernas ensaiadas e gastas, procurando pelos olhos do general hermeticamente treinados que num deslize desesperado sumiram com a cautela de um rio asfixiante.
No último dia de sua vida, numa tarde irreconhecível, que dissolvia rios desastrados, esticado e com o passado gasto, estreou suas delicadas manchas no peito desnudo, afogou os dilemas arreganhados e procurou as filhas e a mãe ensaiadas nos sonhos.
Asfixiou o tempo e numa tarde exatamente como tantas outras, deslizou em tempos hermeticamente confusos.

Um comentário:

  1. PQP! Acho que teria que ler o mesmo texto várias vezes em vários momentos diferentes da minha vida para conseguir entender um pouco melhor, pra tentar alcançar um pouco da genialidade que o texto me passa.

    ResponderExcluir