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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

2.02.2011

TEXTO XXVI : DOS TRÊS PAIS

É pouco, eu sei, mas é amor de qualquer jeito. E não é pra isso que a gente vive? Não é o nosso sonho pequenino, uma casa, uma família, um amor e dinheiro pra se virar? Só depois se preocupar com a casa pequena demais, as contas altas demais, as crianças chorando e esse filho que nem meu é. Daí vai me chamar para dormir umas noites fora do quarto, porque o ronco te irrita, meu suor te irrita, meu bafo te irrita e eu não presto nem para pagar a prestação da moto. É só eu dar uma brecha, procurar outro emprego pelo quarteirão que ele já vem, acho que espera eu sair, me observa de lá de cima do andaime e se aproveita porque o sol me cega. Não vou voltar nesta noite, nem na outra, talvez semana que vem para buscar minhas coisas se ele não estiver em casa. Manda um beijo para a menina, eu já até esqueci o rosto dela. Mas se eu estiver passando e ela estiver brincando no jardim, ah, diz para ela morar no jardim, assim a gente sempre se vê. Diz para ela que eu já fui famoso, diz que eu construí este prédio, sei lá, só para ela não pensar que eu sou só o pedreiro que trabalha naquela construção que nunca acaba. Diz para ela que de lá de cima eu vejo os olhinhos dela. Diz para ela que aquelas flores são para ela, que toda semana vão ser diferentes, diz que a gente já se deu mas agora não dá. E se eu cair distraído do décimo andar, diz para ela que foi sem querer, que entre outras loucuras, agora eu dei pra voar.

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