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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

9.17.2013

TEXTO LXXXI : UM DESENCONTRO ESPERADO




há tempos eu volto à sua rua durante minhas caminhadas
e espreito o calor da vizinhança, observando
o andar atrapalhado dos seus moradores antigos
o jeito como se cumprimentam e parecem falar noutra língua.

passo pela sua porta, será que está em casa?
a esta hora deve estar distraída com o almoço
até sinto o cheiro das cebolas e do alho fritando, um cheiro
que sai de todas as casas perto do meio dia, mas não da sua.

será que você está cansada de fazer as mesmas coisas?
ou se acostumou com a ideia de não sentir nada novo.
às vezes pensa em correr sem destino, subir em qualquer ônibus sem volta?
ou é tão romântica a ponto de se imaginar em um barco, sozinha?

passo os dedos entre as grades da sua casa, descascadas e corroídas pelo mau tempo
minhas unhas parecem até que vão cair, mas você se importa?
tem um dia inteiro para ir ao trabalho, encontrar-se com seu namorado
vai te levar ao cinema hoje que é quarta-feira porque é mais barato?

essa multidão passa por mim e me olha como se eu nem existisse
o que será que vêem, será que têm pressa, será que o que têm é só fome?
quando eu tomo coragem de ir embora, percebo que você é que esteve me observando
e o que será que viu? viu que roubei suas cartas? viu que balbuciei algo para sua vizinha?

agora que sei, decido escrever algo sobre a sua conta de luz, o que me vem à mente
qual a minha desculpa para escrever e inventar essas perdas de tempo?
talvez o tempo, para mim, seja uma insuportável penitência e para você, dolorosamente decisivo
e o que nos aproxima talvez seja a incompreensão da velocidade com que ele nos afasta.




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