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cartógrafo de letras, sensações e pássaros

7.15.2009

TEXTO I E II : CRÔNICA E UM POEMA



O MISTÉRIO DA CAMA ENTRE AS NOVE HORAS E MEIO DIA


Era a terceira vez que Arthur acordava pouco antes das nove e meia. Nove e treze, precisamente. Acordava e não abria os olhos. De fato não sabia se estava acordado. Ele não estava necessariamente em um sonho pois podia ouvir os sons vindo de fora do quarto. Ouvia a conversa de sua mãe com a sua avó. Ouvia o rapaz que veio consertar a geladeira. Sabia que algo estava acontecendo fora do quarto, mas não podia ter certeza se o quarto estava no sonho ou estava ali mesmo.
O que acontecia neste período era que Arthur ia se contorcendo, se revirando, inventando novas posições e caía sempre em um conforto nunca antes provado. Igualava-se ao conforto que sentira no útero da mãe quando nem era nascido, mas não se lembrava da sensação então não podia comparar.
Da primeira vez, estranhou mas não se preocupou em analisar o tal conforto. Só teve o trabalho de esboçar um leve sorriso e daí em diante mais nada. Nem notou a baba que escorria no canto da boca. Acordou com a bochecha meio molhada. Espantou-se.
O curioso de quando se baba enquanto dorme é que esta ocorre quando durante o sono, o seu corpo desliga as funções motoras, incluindo a de fechar a boca. Ou seja, Arthur tinha experimentado um conforto tão grande que havia desligado seu sistema motor enquanto dormia. Como era possível tal conforto se a cama era a mesma, as cobertas ainda eram as mesmas e não havia trocado os travesseiros. Tudo era igual, Arthur era igual, não havia mais ninguém ali. O que possivelmente estaria diferente?
No segundo dia, Arthur se via diante do conforto novamente às nove horas e trinta e dois minutos, logo após alguém derrubar um prego no andar de cima. Arthur novamente não abriu os olhos. Podia ouvir todo o ambiente com muita precisão, sabia onde estava o mosquito que fazia um barulho não tão incômodo, porém perceptível a recém acordada audição de Arthur. Decidiu tentar novas posições afim de entender o processo do conforto que o envolvia. Tentou um braço para baixo e o pescoço para o lado, aquilo não poderia ser confortável. Mas era, e como era! Era tão confortável que o fez perder a vontade de resolver o mistério matinal. Se entregou novamente aos encantos da cama e quando menos percebeu, acordou com a marca umida no travesseiro.
Veio o terceiro dia e Arthur antes de dormir se dispôs a não dormir de manhã enquanto não resolvesse o mistério. Estava confiante de que chegaria ao pé do mistério, o resolveria e então dormiria tranquilamente. Arthur esperou e o sono veio, num conforto que ele já estava acostumado, o mesmo de tantos anos. O despertador tocou às nove horas, Arthur abriu os olhos desta vez, procurou, virou-se, revirou-se. Tirou um braço e colocou do outro lado, virou o tronco, entortou o pescoço e esperou ...Esperou e nada aconteceu. Tentou outras duas posições malucas e nada. Fechou os olhos imaginando que desta forma sentiria melhor a espuma do colchão ou a força mágica que o envolvia nessa hora.
Arthur passou mais dois dias sem dormir esperando o intervalo de tempo entre as nove horas e o meio dia. Arthur esperou ...E esperou deitado.

Ricardo Rother

Publicado no Recanto das Letras em 15/07/2009




ACABOU


Pode o amor acabar de repente?
Outro amor surgir num segundo?

Desde o pulso acelerado
À respiração mais ofegante
Na lingua um gosto nostalgico
Repousa um fim pálido e frio

A tradução desse instante
Nao se descreve com palavras
Mas outro dia veio dizer
Que o mundo gira e eu também

Sem rodeios, me diz
Não é mais feliz?

-Estou triste mas vou partir

Fiquei sem bolso e sem fogo
Alegria na bebida
jamais

E sem lagrimas caminhei
Naquele lago onde a conheci
Amanheci
Não tinha gosto nem dor

Ricardo Rother

Publicado no Recanto das Letras em 13/07/2009

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